Angelina Jolie concede entrevista para a revista Vanity Fair
Angelina Jolie fala francamente sobre seu concorrente ao Oscar, Maria, sua conexão com o sucesso de Garota, Interrompida (que lhe rendeu um prêmio da Academia em 2000), e sobre o fato de ter se reencontrado como artista: “Algum terapeuta deveria estudar essas coisas e me dizer o que elas significam para mim”.
Atualmente, a atriz tem abraçando um território desconhecido. Ela está saindo de seu papel como a icônica cantora de óperas Maria Callas no elegante filme biográfico de Pablo Larraín, para o qual passou meses em aulas intensivas de canto. Depois de circular por Los Angeles nos últimos tempos, divulgando o filme (ela foi indicada ao Globo de Ouro e ao Critics Choice Award na semana passada), ela agora já está trabalhando em seu próximo projeto. Tivemos uma boa conversa via Zoom de Paris durante uma pausa na produção de Stitches, um drama independente escrito e dirigido por Alice Winocour. Nesse filme, Jolie interpreta Maxine, uma cineasta americana, o que pode parecer um território relativamente familiar. Mas, mais uma vez, ela foi incumbida de fazer algo que nunca fez antes: interpretar um papel principalmente em francês.
“Não sou fluente - eu falo um pouco, mas... para significar cada palavra e fazer uma performance é preciso um tipo diferente de compreensão sobre o que estou dizendo, para ser emocional e não pensar no idioma”, diz ela. “É um desafio diferente.”
Antes de Maria, fazia um longo tempo, desde que Jolie esteve em um filme independente. Por isso, é uma surpresa vê-la voltar para outro filme dramaticamente complexo e dirigido pela mesma pessoa que escreveu o roteiro; faz mais de uma década que ela não trabalha com essa intensidade e rigor como atriz. Jolie reconhece isso - no último ano, ela se sentiu diferente, reenergizada, disposta e ansiosa para assumir mais uma vez os tipos de riscos artísticos que definiram sua ascensão como artista, em filmes como Gia e Garota, Interrompida.
Já se passaram 25 anos desde a estreia desse último filme, que rendeu a Jolie um Oscar e a colocou no caminho do estrelato, algo acompanhado pelo que ela chama de sua tendência de se afastar do olhar curioso da indústria — e do público. O longa acompanha Maria Callas nos últimos e solitários dias de sua vida e, nesse quadro melancólico, Jolie teve espaço para apresentar um desempenho profundamente vulnerável. O papel exigiu que ela olhasse para dentro de si mesma, como poucos trabalhos nos últimos tempos, e ela ainda está tentando entender como a experiência a afetou - e o que quer dizer sobre isso. Mas ela se sente pronta para seguir em frente e, talvez, também considerar, por que levou alguns anos para ela “ganhar vida novamente”.
Vanity Fair: Você disse que fazer Maria te fez lembrar do que significa ser uma artista. Você pode falar mais sobre isso — e sobre com o que você sente que se reconectou novamente?
Angelina Jolie: Eu não fui eu mesma durante muito tempo, então eu não pude me dedicar tanto ao meu trabalho por alguns anos. Sentir que eu poderia trabalhar novamente e me comunicar e estar com pessoas legais - muito do que eu faço é colaboração com outros artistas. Quando tudo vai bem, estamos criando juntos. Quando você está com pessoas legais e criativas, você aprende muito sobre si mesma e sobre a vida. Você está em um lugar seguro para se divertir e se expandir. Eu tive isso com Pablo, e eu não acho que seja por acaso que eu encontrei outra situação [em Stitches ] que é muito semelhante, onde estou junto de pessoas muito bem-intencionadas e atenciosas. Eu estava conversando com Louis Garrel, o maravilhoso ator francês, sobre nossas cenas e nosso trabalho. Eu conversei com Alice esta manhã sobre a vida e a saúde das mulheres, que é um pouco do filme. A grandeza da arte, como público ou como atriz, pode realmente curar e nos fazer crescer. É para isso que estamos todos vivos — para descobrir, sentir, criar e nos conectar. Sem isso, estamos apenas duramente existindo.
Isso tem sido uma grande parte de sua vida há muito tempo. Imagino que tenha sido muito significativo sentir isso novamente.
Realmente faz. Provavelmente mais do que eu consigo expressar. Se ninguém recebe sua peça, ou se você não se conecta, então é como gritar no escuro. Significa muito que as pessoas tenham respondido a Maria. Sempre senti, desde muito jovem, que o cinema tem sido uma forma de me comunicar com o mundo e não me sentir tão sozinha.
Estamos todos passando por essa condição humana e essa vida. Então é muito, muito curativo poder fazer parte desses filmes e falar com vocês sobre isso e viver dessa forma. E eu senti falta disso. Percebi que realmente sentia falta disso. Sentia falta de ser uma artista.
Quando você diz que sentiu falta, como foi esse período em que você não sentia tanto isso?
Fiquei muito sombria por razões que prefiro não explicar, mas não tinha muita luz e vida dentro de mim. Minha luz era fraca. Eu também precisava ficar mais em casa, então não conseguia me comprometer com grandes períodos de tempo para determinados projetos. A escolha do que trabalhar e quando, não era uma escolha criativa, muitas vezes, nos últimos anos, era apenas a escolha prática. Realmente, acho que Maria foi o começo de começar a ganhar vida novamente. Eu precisava de muitas pessoas gentis ao meu redor para segurar minha mão.
Ênfase em pessoas gentis...
Eu sei que digo isso com muita frequência, mas nosso negócio pode ser muitas coisas. No final do dia, temos muita sorte de fazer o que fazemos, e estamos passando muito tempo com sentimentos emocionais grandes e profundos. Se você não fizer isso com pessoas com quem você está segura, isso pode afetá-la de maneiras muito ruins.
Isso parece ser algo que você aprendeu com o tempo.
Ah, sim. Todos nós já estivemos com pessoas terríveis em nossa vida, onde é difícil fazer seu trabalho porque você se sente emocionalmente vulnerável e então você sente que isso está sendo usado da maneira errada. Assim como muitos artistas, somos meio crus. É por isso que às vezes parecemos um pouco loucos. Parte do que fazemos é não nos acomodar. É sentir profundamente e explorar e ir a lugares estranhos em nossa mente e nosso corpo. Se você for livre para fazer isso, coisas maravilhosas podem acontecer. E então às vezes você pode ser uma pessoa muito vulnerável em um mundo que é um pouco sombrio — e isso pode te machucar.
Foi pesado. Maria foi uma experiência muito completa. Eu não conseguia deixá-la no set como às vezes acontece. Parte disso foi porque eu estava sempre treinando depois das filmagens; sempre havia uma próxima ária. Mas tudo estava se encaminhando para a morte, e a morte foi a última coisa que filmamos. Tenho quase 50 anos, e minha mãe teve câncer quando tinha 48 anos. E você está pensando na morte e em coisas que lhe causam tristeza ou que você perdeu na vida.
Imagino que você e talvez muitas pessoas que você conhece já tiveram momentos em que se sentiram muito aflitos, mas estavam sozinhos. Eu certamente já tive esses momentos de tristeza sozinha. Compartilhá-los agora não apenas no set, mas com o mundo, e conhecer outras pessoas e reconhecer que ambos temos esse nível de dor, pode ser muito catártico - expressar coisas pesadas juntos. Ela também era engraçada, mas o lado pesado dela era... sim. [Acho que isso me fez querer tentar viver mais plenamente. Sempre que você faz algo relacionado a morte, naturalmente você pensa com mais frequência na vida.
Há algo legal nesse momento, dado ao fato de que já faz 25 anos desde que Garota, Interrompida foi lançado, pelo qual você ganhou um Oscar. Você interpretou Lisa, uma sociopata diagnosticada em tratamento psiquiátrico — outra personagem muito pesada. Como você compara sua situação atual como atriz e artista com a daquela época?
Ainda não descobri como me sinto em relação a isso, mas há algo bonito ou reconfortante nisso, há algo não muito diferente sobre essas mulheres e a pessoa que eu era há 25 anos. Talvez eu tenha chegado a ela de uma forma diferente. Talvez eu não a tenha perdido tanto quanto pensei que perdi. Espero estar melhor em alguns aspectos: sou mãe e sou muitas outras coisas.
Talvez eu ainda esteja tentando me conectar e talvez eu ainda esteja sentindo profundamente. Não sei. Tenho certeza de que um terapeuta teria um dia de campo com isso. Você está me perguntando, e eu estou tipo, meu Deus, algum terapeuta deveria estudar essas coisas e me dizer o que elas significam.
Você se lembra de como era interpretar Lisa na época?
Sim, o que é interessante porque não tenho muitas lembranças da minha vida. Lembro que não pensava nela como louca e que ela era uma pessoa real. Ela precisava ser amada, e se sentia sozinha, e queria a verdade. Só vi o filme uma vez — é difícil para mim falar sobre ele, porque vi uma vez há 25 anos — mas, da minha memória, ela queria que alguém fosse honesto com ela e se conectasse, e de alguma forma acabou se sentindo muito, muito sozinha nessa sentido — não muito diferente de Maria. Não encontrar alguém que a entendesse o suficiente, não encontrar um caminho a seguir em que ela estivesse bem. Isso é um tema? O fato de eu estar sozinha? O que é isso? [ Risos ] Provavelmente há algo muito trágico que não quero abordar agora, mas — sim.
Eu me lembro de ouvir as pessoas dizendo isso. Mesmo que elas pensassem que estavam me elogiando por interpretar Lisa, elas estavam me elogiando por interpretar uma pessoa louca. Isso me deixava triste porque eu não pensava nela dessa forma, e eu não gostava de ouvir que se referiam a mim dessa maneira. Mas também era uma época em que eu ainda estava tentando me entender, e talvez houvesse algo sobre mim que eu não estava entendendo — sobre o que as pessoas consideram loucura. Quer dizer, essa é a pura verdade. A verdade é que durante aquela época em que você está tentando se descobrir e é jovem e é um pouco selvagem e forte e curioso e emocional — as pessoas dizem: "Não, isso é loucura. Ela é louca. Você é louca." Isso provavelmente só me isolou ainda mais e me fez pensar que eu devia ser diferente. Talvez eu seja obscura, ou talvez eu seja estranha, ou talvez eu não seja o que as pessoas querem que eu seja também.
Eu não leio as coisas, mas conversei com pessoas após as exibições que foram muito gentis. Mas também ouvi pessoas se referindo a ela como um pouco louca. As pessoas ainda podem olhar para ela e perceber o fato de que ela foi uma garotinha que não era amada.
Que é a narrativa do filme.
Que é basicamente a narrativa do filme, sim. Não havia nada que ela tenha feito que machucou alguém ou que fosse contra alguém. De alguma forma, ela era vista como se houvesse algo de errado com ela, algo nela que incomodava as pessoas. Mas, sim, acho que há muito amor por ela, e nada me deixa mais feliz do que isso. Se ela era uma diva, para ela, era [porque] era muito dura consigo mesma e com qualquer coisa relacionada ao seu trabalho, porque era perfeccionista. Ela também era uma pessoa que achava que era perfeita ou que não era nada - porque foi isso que sua mãe lhe disse. Definitivamente, ela era mais dura consigo mesma do que qualquer outra pessoa poderia ser.
Sem querer ser muito psicólogo, mas como você se relaciona com essa ideia de perfeição a todo custo?
A propósito, você seria um ótimo terapeuta.
Já pensei nisso, devo dizer. Mas estou realmente curioso para saber como você se conectou com essa parte dela.
Acho que é por isso que levei alguns dias para dizer sim, porque eu sabia que estava caminhando para o impossível. Você não pode ser tão boa quanto ela — certamente nunca pode ser tão boa quanto ela no palco, nunca pode cantar tão bem quanto ela, e só posso rezar para não decepcionar aqueles que amam seu trabalho. Eu estava com medo. Eu estava com medo de realmente falhar dessa vez.
Você pode me contar o momento em que levou Maria para Veneza e como você estava se sentindo naquele dia, tanto antes da exibição quanto depois de sentir a reação na sala?
Foi engraçado levá-la para Veneza, porque ela estava em Veneza - até dizemos isso no filme; Onassis fala sobre vê-la no Festival de Cinema de Veneza. Eu estava tentando descobrir o que vestir, e havia fotos dela em Veneza usando um pouco de pele; por isso usei um pouco de pele falsa. Foi estranho. E eu canto em italiano e estou na Itália; como é que isso vai ser? São pessoas que realmente conhecem essas árias, e essa é uma forma de arte que é muito respeitada e compreendida ali. Por essas razões, eu estava muito animada para levá-la a Veneza e muito nervosa. Quando foi bem recebido, quando senti que a sala o apreciou, foi um grande alívio. Então, quando você está com as pessoas que ama, olha em volta para os rostos dos artistas com quem trabalhou, é um momento lindo.
Agora que você está se sentindo revigorada criativamente, há cineastas com quem você gostaria de trabalhar ou tipos de trabalho que você gostaria de fazer no futuro?
O que você acha que eu deveria fazer?
Bem, como você mencionou, você consegue ser seletivamente muito engraçada em Maria. Eu adoraria ver você fazer mais comédia.
Muito obrigado. Acabei de escrever para uma amiga minha hoje, Eunice, que está em Liverpool, e ela disse: “Por que você não está fazendo isso - você deveria fazer algo engraçado”. Escrevi de volta e disse: “Eu gostaria de encontrar algo engraçado”, mas não tenho certeza. Nunca tenho certeza do quão engraçada eu sou. Eu adoraria fazer algo divertido e leve. Acho que eu teria que ser a pessoa honesta. Sinto que é isso que eu sou. Eu entendo isso. Em Malévola, eu disse: “Tudo bem, serei a pessoa certinha”.
Há tantos diretores maravilhosos com quem eu adoraria ter a chance de trabalhar. Eu gostaria de ter permissão para atuar nessa arena. Eu adoraria que as pessoas se aproximassem e estivessem dispostas a me convidar para atuar com elas e criar com elas. Então veremos. Sim, comédia, talvez.
Vamos jogar isso ao universo.
Se eu fizer isso, a culpa é sua.
Fonte: Vanity Fair
Comentários