Angelina Jolie concede entrevista exclusiva para a primeira edição da TIME France - Parte 1

Texto: Élisabeth Lazaroo

Fotos: Nathaniel Goldberg para TIME France

Parte I

Heroína de um filme que ecoa sua própria história com o câncer, a estrela americana revela suas fragilidades e celebra a força que extrai de seu engajamento com os outros.

De uma beleza que hipnotiza, com um rosto marcante, uma expressão firme e uma alma serena — tudo sustentado por um corpo que poderia parecer frágil, não fosse moldado por mais de vinte anos de luta e resistência em defesa dos mais vulneráveis. Envolta em um longo suéter em tons suaves de bege ou cinza — difícil dizer —, Angelina Jolie entra e cumprimenta cada membro da equipe. Dá vontade de abraçá-la, mas nos contemos. É 8 de novembro. São exatamente 8h45. O reencontro com Alice Winocour é caloroso. Ela assina o filme Coutures, no qual a estrela interpreta Maxine Walker, uma cineasta americana. Um relato íntimo em que a protagonista enfrenta um câncer de mama — uma história que ecoa os caminhos das duas mulheres —, uma obra comovente sobre a provação da doença e, acima de tudo, uma celebração apaixonada da vida.

Na suíte imperial do hotel Le Bristol, iluminada pela luz suave de Paris, a estrela brilha. Sensível, Angelina se emociona ao recordar a mãe querida e a avó, ambas levadas cedo demais pelo câncer. A emoção invade a conversa, as lágrimas vêm rápido. “Todos nós já passamos por provações, de perto ou de longe”, confessa. Desta vez, não hesitamos: a abraçamos. Portadora dos genes BRCA, associados aos cânceres de mama e ovário, Jolie passou por uma dupla mastectomia preventiva em 2013, seguida da retirada dos ovários. Alice Winocour, por sua vez, acaba de vencer a doença, após uma longa internação.

A atriz vencedora do Oscar — cuja fama, ativismo e vida familiar com seus seis filhos formam um só universo — veio especialmente de Hollywood para este encontro com a TIME France. Angelina quer transmitir uma mensagem que considera essencial: “A vida é mais forte. A coragem se compartilha.” Com coração sensível e temperamento firme, a incansável defensora dos direitos humanos sabe exatamente o que quer. Há uma causa em jogo, e o recado precisa ser claro: mostrar a cicatriz da mastectomia. Cada detalhe importa — a roupa, a pose, a atitude, a graça. Jolie se entrega à arte do diálogo e da imagem sob o olhar atento de Nathaniel Goldberg, nosso fotógrafo.

A voz de Angelina ressoa muito além de Hollywood. Cada fotografia será pensada como um gesto político. Seu ativismo virou estratégia: após mais de sessenta missões junto ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, ela deixou a ONU para atuar diretamente com organizações locais, convencida de que a verdadeira eficácia nasce no campo. Aos 50 anos, a humanista se dedica de corpo e alma à Fundação Maddox, no Camboja — mobiliza governos, empodera mulheres, transforma realidades. E segue provocando o mundo. Participa de debates globais, investe na educação, e cria pontes entre arte e ativismo com o Atelier Jolie, sua plataforma criativa. Por meio dela, combate a violência sexual contra mulheres em zonas de conflito, especialmente através da iniciativa PSVI, que cofundou em 2012 e produz filmes com impacto social, como Muganga – Celui qui soigne.

Angelina nunca se conformou com um mundo opressor. Sua força vem de longe — de uma infância marcada por complexidades familiares: mãe franco-canadense de Quebec, pai famoso (Jon Voight, cujo nome ela abandonou), e uma adolescência gótica, fascinada pelo irreversível. Sonhava ser agente funerária, inspirada pelos enterros conduzidos por seu avô. Carrega a convicção de que nunca faz o suficiente. E segue em frente, mesmo quando tudo parece desabar.

Acaba de voltar da Ucrânia. Segue firme na defesa dos vulneráveis, dos deslocados, dos que carregam feridas invisíveis. Sem artifícios, sem máscaras. Angelina Jolie é inteira — vive com autenticidade, com entrega total à vida. Longe dos holofotes de Hollywood, permanece fiel à justiça, à compaixão e à liberdade. E, neste encontro com a TIME France, mais uma vez, busca despertar consciências.

No filme Coutures, de Alice Winocour, você interpreta uma cineasta americana diagnosticada com câncer de mama. Qual foi sua relação com essa dimensão do roteiro?

Essa história é muito pessoal para mim. Desde o início, senti uma conexão profunda com Maxine Walker, minha personagem. Sempre admirei o trabalho da Alice — ela é uma diretora brilhante — e a forma como ela aborda a doença é única. Com frequência, os filmes sobre as provações das mulheres — especialmente o câncer — falam de fim e tristeza, raramente de vida. Alice fez um filme sobre a vida, e é justamente por isso que os temas delicados são tratados com tanta sensibilidade. As dores, as doenças, os desafios fazem parte da nossa existência, mas o que importa é como os enfrentamos. Para mim, e para tantas mulheres que passaram por isso, era essencial lembrar que o que nos ajuda a atravessar esses momentos é, acima de tudo, o amor.

Minha mãe esteve muito doente por muitos anos. Uma noite, durante uma conversa sobre a quimioterapia, muito emocionada, ela me disse que preferia a doença a qualquer outra coisa — sentia que, de alguma forma, a doença havia se tornado uma fonte de vida.

Eu amo esse filme porque ele não mostra apenas o percurso de uma pessoa doente — ele mostra a vida. E foi essa perspectiva luminosa que me tocou e me fez querer interpretar esse papel.

Você usava o colar da sua mãe durante as filmagens, mas hoje não está com ele. Por quê?

Eu quase nunca o uso, porque ele contém as cinzas dela. Tenho medo de perdê-lo.

Quando o médico, interpretado de forma magistral por Vincent Lindon, revela seu diagnóstico de câncer de mama à personagem Maxine, fica evidente que essa notícia é tão difícil de dizer quanto de ouvir.

Um médico me disse uma vez: “Há um momento em que o médico sabe, mas o paciente ainda não.”

Durante essa cena, foi impossível não pensar na minha mãe, sentada em uma poltrona semelhante, recebendo a mesma notícia. A atuação de Vincent Lindon me tocou profundamente. O respeito genuíno que ele transmite aos especialistas em câncer de mama — e, sobretudo, às pacientes — sua maneira de compreendê-las… tudo isso me deu a sensação de que ele poderia ter sido o cuidador da minha própria mãe.

Aproximadamente 2 em cada 1000 mulheres são portadoras do gene BRCA, ligado aos cânceres de ovário e mama — sendo este último a principal causa de morte por câncer entre mulheres. Diante disso, o teste para o BRCA não deveria ser oferecido sistematicamente a todas as mulheres?

Com certeza. Toda mulher deveria ter o direito de definir seu próprio caminho de saúde e contar com as informações necessárias para fazer escolhas conscientes. Os testes genéticos e o rastreamento precisam ser acessíveis e viáveis, especialmente para aquelas com fatores de risco evidentes ou histórico familiar significativo.

Quando compartilhei minha experiência em 2013, foi para incentivar decisões informadas. As escolhas em saúde devem ser pessoais, e as mulheres precisam ter acesso à informação e ao apoio necessário para tomá-las. O acesso ao rastreamento e aos cuidados não pode depender de renda ou de onde se vive.

Você quis revelar as cicatrizes da sua mastectomia na TIME France. Por quê?

Compartilho essas cicatrizes com muitas mulheres que amo. E sempre me emociono quando vejo outras mulheres compartilhando as delas. Quis me juntar a elas, especialmente sabendo que a TIME France iria divulgar informações sobre saúde mamária, prevenção e conhecimento sobre o câncer de mama. Quis fazer parte desse debate.

Durante a exibição do filme, metade da sala estava em lágrimas. E havia uma mensagem implícita dirigida às mulheres, que cada uma levava consigo: “Não se esqueça de cuidar da sua saúde, faça uma mamografia”. O que você espera que esse filme provoque?

Espero que esse filme lembre não apenas da importância de cuidar da saúde, mas também que, se a doença surgir em nossas vidas, é essencial contar com quem está por perto e atravessar essa fase sem deixar de viver.

Achei fundamental que uma história de amor atravessasse o enredo. O desejo de se conectar com o outro, de sentir o próprio corpo, de viver a sexualidade, de sentir vontade — ou, ao contrário, de evitar uma relação por causa da doença. Principalmente quando o câncer afeta os seios ou os ovários… isso pode transformar profundamente a forma como uma mulher se sente em relação a si mesma.

Esse filme é uma mensagem para suas filhas?

Acredito que sim. Criar meninas naturalmente nos leva a refletir sobre a condição das mulheres. Gostaria que minhas filhas soubessem que esses momentos existem — e que talvez, em algum ponto da vida, elas também os enfrentem.

Quero que elas enxerguem um lado diferente de mim: a mulher que sou no hospital, na vulnerabilidade. Meus filhos sabem o que eu vivi. Minhas filhas entendem que não pude contar com minha própria mãe — e que ela também não pôde contar com a dela. A mãe dela morreu jovem, também de câncer.

Sob o brilho da Fashion Week parisiense, o filme Coutures revela as trajetórias de jovens modelos vindas da Ucrânia, do Sudão e de outras partes do mundo. O que você aprendeu sobre o universo da moda?

Encontrei aspectos profundamente comoventes, especialmente essa tensão entre a imagem que projetamos e a riqueza da nossa vida interior. A moda costuma silenciar a vulnerabilidade que vem ao expor o corpo, e raramente se interessa por figuras como Ada — uma modelo sul-sudanesa interpretada por Anyier Anei, ela mesma modelo e originária do Sudão. Sua personagem busca um lugar nesse meio fechado e, por vezes, desconcertante. Para ela, ganhar dinheiro, aprender a administrá-lo e sustentar a família é um desafio imenso.

Quando jovem, você trabalhou como modelo, incentivada por sua mãe, que também era sua agente. Gostou dessa experiência? E a moda, você gosta?

Fui modelo por muito pouco tempo. Não gosto desse lado da moda que tenta impor regras aos outros, ou quando as pessoas se sentem obrigadas a seguir padrões. Mas gosto da ideia de que cada um possa encontrar seu próprio estilo — e usá-lo como forma de expressão e revelação pessoal.

Assumir responsabilidades financeiras muito cedo para ajudar sua mãe moldou sua visão de vida?

Provavelmente mais do que eu gostaria de admitir. Minhas memórias de juventude estão profundamente ligadas ao trabalho: sentada no carro com minha mãe, procurando emprego, falando sobre dinheiro, indo a entrevistas… (risos)

Não foi insuportável, mas eu queria garantir que minha mãe não passasse necessidade. Queria oferecer a ela segurança.

Mas se você tivesse tido escolha?

Duvido que teria acabado na frente das câmeras — embora eu seja profundamente grata pelas oportunidades que tive na minha carreira. É uma profissão muito privilegiada, muito criativa. E também é uma forma de transmitir algo. Com o tempo, percebi o quanto me faltava confiança. Demorei para me sentir pronta para dirigir e escrever roteiros. Tive que me forçar a aprender. E fui evoluindo.

Você gosta de colaborar e trabalhar com outras pessoas?

Sim, mas quando eu era mais jovem, eu realmente tinha dificuldade com isso. Me tornei artista com o tempo. Fui criada pela minha mãe em um ambiente artístico efervescente. No entanto, nunca me senti totalmente à vontade em Hollywood e em tudo que envolve esse meio. O foco excessivo no sucesso e na vida pública fez com que eu me fechasse, muitas vezes de forma sombria e pouco saudável. No entanto, mais tarde, ao colaborar com outros profissionais da área, redescobri o amor pela arte e por quem a faz. Não levo a fama a sério. Ela não é real para mim.

Contestadora, franca, punk, gótica — sua adolescência foi instável. Como você vê a Angelina de hoje?

Provavelmente sou a mesma. A gente nunca se separa completamente da pessoa que já foi. Minha sensibilidade e minha rebeldia continuam presentes — só se expressam de formas diferentes agora.

E agora, depois de ter passado dos 50 anos, como você encara a vida?

O que mais percebo é que meus filhos estão quase todos com 18 anos! (risos)

Isso me ajuda a entender meu lugar no mundo — e a reconhecer que já faz décadas que trabalho com minha Fundação no Camboja. A vida passou, percebo o que mudou… e tudo o que permanece. Estou vivendo um momento de reflexão.

Agora que seus filhos cresceram, o que você aprende com eles?

Muita coisa. Meus filhos enfrentaram dores profundas e íntimas. As pessoas não os conhecem de verdade, mas eles passaram por momentos difíceis com coragem. A força da nossa família vem do vínculo profundo que se formou entre eles: são muito unidos, e ao mesmo tempo, cada um é profundamente diferente. Aprendem muito uns com os outros.

Sua mãe era franco-canadense, com raízes normandas na região do Perche. Você tem lembranças da França com ela?

Ela teria adorado viver na França — teria se sentido perfeitamente em casa. Era uma mulher muito natural, sensível e criativa. Depois do divórcio de meu pai, ela precisou se mudar para Los Angeles, assim como eu fiz após meu próprio divórcio. Mas não era um lugar onde ela se sentia bem.

Se tivesse que escolher entre viver na França, nos Estados Unidos, na África ou no Camboja, para onde iria?

Pergunta difícil. Sempre digo que meu lugar favorito é aquele onde nunca estive. Gosto do desconhecido. Me sinto como uma nômade. Gostaria de passar mais tempo no Camboja, na Fundação, com as pessoas que são importantes para mim.

Pierre Clastres (1934-1977), antropólogo que observou os rituais iniciáticos dos índios Guayaki, dizia que a tatuagem é uma forma de inscrever no corpo a dureza da lei. E para você, qual é o sentido de tatuar-se?

O significado da tatuagem é muito diferente para cada pessoa — e tribal para muitos. As minhas tatuagens são as minhas marcas, os símbolos do que é importante para mim. Quando se interpreta um papel, tudo o que o compõe pertence ao personagem, não a você. Mas o corpo... o corpo continua sendo nosso. Minha mãe via minhas tatuagens como um totem de vida.

Bem resumido. 

Sim. Lembro perfeitamente do dia em que minha mãe me levou para tatuar o braço esquerdo a citação de Tennessee Williams: “Uma oração para os corações selvagens presos em gaiolas.” Eu estava vivendo um período de caos e dor. Minha mãe sentou ao meu lado, conversamos sobre essa sensação de aprisionamento — e sobre meu desejo profundo de liberdade.

De onde vem sua solidariedade com os outros?

Não sei dizer exatamente. Tenho muitos defeitos — e, ao mesmo tempo, sou profundamente humana. Sinto que estou conectada às pessoas.

Hoje parece que seu papel principal é usar sua fama para contribuir com um mundo melhor por meio da ajuda humanitária.

Quero levar uma vida útil e cheia de sentido.

Isso te faz feliz?

Claro. Quando me sinto útil e conectada aos outros, sinto alegria. Há tantas ideias equivocadas que dizem que a felicidade vem de outras coisas… Mas, pra mim, a verdadeira felicidade vem de ser útil — e de estar em relação com os outros.

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