Angelina Jolie concede entrevista exclusiva para a primeira edição da TIME France - Parte 2

Texto: Élisabeth Lazaroo

Fotos: Nathaniel Goldberg para TIME France

Parte II

Há quase vinte e cinco anos, ela multiplica compromissos e ações junto aos mais vulneráveis, consolidando-se como uma das figuras mais influentes da atualidade.

A atriz, cineasta, produtora e humanitária trabalha incansavelmente junto aos refugiados e às pessoas deslocadas há mais de duas décadas. Angelina Jolie já esteve em mais de 60 países, incluindo recentemente o Chade, a Etiópia, Ruanda e até mesmo a Ucrânia. Na véspera de sua entrevista com a TIME France, a ativista humanitária voltava de Kherson e Mykolaiv, duas das regiões mais perigosas da linha de frente sul, onde visitou estabelecimentos médicos e escolares transferidos para abrigos subterrâneos e reforçados, para que o sistema de saúde e o ensino pudessem continuar funcionando apesar da guerra.

Para a ex-enviada especial do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, uma mudança duradoura só é possível com a transformação do paradigma humanitário: a ação precisa se apoiar na liderança local. Com iniciativas como a KIND (Kids in Need of Defense), que ela fundou, sua plataforma criativa Atelier Jolie, a Fundação Maddox e a PSVI (Preventing Sexual Violence in Conflict Initiative), da qual é cofundadora, Angelina Jolie redefine na prática o engajamento humanitário. Seu trabalho é enraizado na realidade, humano e voltado para dar autonomia às populações que enfrentam diariamente as crises, oferecendo apoio para que possam retomar uma vida melhor.

Por que você deixou o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados? Qual é sua visão da diplomacia humanitária hoje?

Aprendi muito ao passar décadas ao lado de famílias refugiadas graças ao Alto Comissariado das Nações Unidas. Também conheci muitos colaboradores dedicados e trabalhei com eles. Mas acabei concluindo que precisava explorar outras formas de atuação, pois via as necessidades crescerem. Há mais de 120 milhões de pessoas deslocadas no mundo. Eu não podia continuar pedindo que esperassem pela ajuda internacional. Não podemos exigir que as populações dependam do Conselho de Segurança das Nações Unidas para serem protegidas e tratadas de forma justa.

Acredito sinceramente que a ajuda humanitária internacional é necessária, mas ela não pode fazer tudo. Ela não consegue, de fato, atender às necessidades de prevenção de conflitos, permitir que as pessoas retornem para casa e reconstruam seus países. Por isso, escolhi dedicar tempo e financiar, com recursos próprios, organizações locais credenciadas e experientes, para trabalhar diretamente com elas no terreno.

Justamente por meio da Fundação Maddox, você segue o princípio de "pensar globalmente, agir localmente". O que isso significa concretamente?

O objetivo é ajudar as comunidades a se tornarem autônomas. Cada projeto é concebido e gerido por cambojanos, que determinam o que é mais necessário e a melhor forma de alcançar esse objetivo. Todos os programas de desenvolvimento são conduzidos localmente. Se houver competências adicionais a serem adquiridas, organizamos formações. É importante transferir conhecimentos e apoiar uma verdadeira independência econômica.

Já vi muitos programas humanitários falharem. Por isso, em 2003, criei a Fundação Maddox em Samlout, no Camboja, com o objetivo de ajudar a população local a recuperar terras que se tornaram perigosas por causa de anos de guerra e minas terrestres. Desminamos os campos para que as famílias pudessem voltar a viver e cultivar com segurança. A fundação passou, então, a atuar na proteção das florestas e na construção de escolas e clínicas. Estamos a 48 minutos, por terra, do lugar onde hoje tenho minha casa.

Como o filme Muganga – Celui qui soigne, que você produziu, pode contribuir para sensibilizar o público sobre as questões ligadas à violência sexual em tempos de guerra?

Tive a honra de conhecer e trabalhar ao lado do Dr. Mukwege e de sua equipe por mais de dez anos, conduzindo campanhas para acabar com a impunidade em torno do uso do estupro e da violência sexual como armas de guerra. O filme destaca a liderança humanitária do Dr. Mukwege, seu compromisso inabalável com as mulheres e crianças da República Democrática do Congo, assim como a coragem das sobreviventes. Também ressalta a urgência de uma proteção contínua, de uma justiça efetiva e de uma solidariedade internacional diante de um crime que é cometido em escala mundial.

Segundo Médicos do Mundo, Gaza representa um dos maiores fracassos humanitários da nossa geração.

A ajuda humanitária não chega a Gaza na escala necessária. Mais de 80% das infraestruturas foram ao menos parcialmente destruídas. A população vive em condições de fome. A dimensão das necessidades é chocante: meio milhão de crianças vivem sob bombardeios há dois anos, privadas de acesso à ajuda e à educação.

Ainda assim, a ONU continua a apontar a urgência da ajuda. Kits de maternidade, leite materno e seringas para vacinação continuam bloqueados na fronteira. A ajuda chega, mas permanece amplamente insuficiente para atender às necessidades vitais dos civis — e muito aquém do que seria necessário para garantir a simples sobrevivência, sem falar na reconstrução da região.

Na sua opinião, as decisões políticas relativas à ajuda humanitária poderiam ser consideradas questões de segurança global, assim como uma pandemia ou uma guerra?

Precisamos nos fazer as seguintes perguntas: por que há tanta necessidade de ajuda humanitária, e por que esses países ricos em recursos e com uma população significativa não conseguiram se desenvolver e se tornar independentes do sistema de ajuda?

Devemos nos perguntar se seus recursos estão sendo explorados ou roubados, se a população está sendo apoiada ou se existem medidas diplomáticas que poderiam ser tomadas para melhorar a situação.

A ajuda deve ser essencial em situações de emergência e fornecida sem condições. A longo prazo, ela deveria se basear em um plano de desenvolvimento voltado para o fortalecimento das organizações locais de ajuda, nas áreas de alimentação, moradia e comércio, mas vemos pouquíssimas ações desse tipo.

Atelier Jolie, a plataforma criativa que você lançou há dois anos — do que se trata exatamente?

É ao mesmo tempo um coletivo de artistas e um modelo de desenvolvimento. A moda também desempenha um papel, pois propomos obras de arte para vestir e apoiamos criadores do mundo todo — mas essa não é nossa atividade principal. Oferecemos oficinas e conferências voltadas para artistas, dando aos visitantes a oportunidade de colaborar com uma rede diversificada de artistas, criadores e educadores talentosos vindos de todo o mundo. A ideia é oferecer um espaço dedicado à criação de uma comunidade e ao estabelecimento de conexões entre criativos em escala global que, muitas vezes, não têm um lugar nem a oportunidade de compartilhar seu trabalho, expor ou vender suas obras — e muito menos acesso a suporte de marketing ou visibilidade.

Atualmente, temos conosco uma artista afegã com sua marca Zarif, e um designer etíope se juntará a nós em breve. Prune Nourry, uma artista francesa brilhante e uma das minhas escultoras favoritas, também está em residência. Pensei que criar uma plataforma para reunir esses talentos poderia ajudar a promover os artistas e seus projetos, conectá-los com empresas e, ao mesmo tempo, oferecer-lhes mais independência.

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