Angelina Jolie quebra a maldição de Unbroken

O conto surpreendente de Louis Zamperini ficou guardado por 56 anos na gaveta porque não havia muita historia pra contar.

Angelina Jolie estava pronta para dirigir um filme novamente. Sua estreia na direção, "In the Land of Blood and Honey", não teve uma grande bilheteria ou foi sucesso de crítica, mas fazer o drama de 2011 sobre a guerra da Bósnia tinha alimentado seu desejo de se tornar uma cineasta. Então Jolie começou a procurar um novo projeto, sabendo que tinha que escolher com cuidado.

"Eu estava muito nervosa", disse Jolie sobre a transição de atuar para dirigir. "Foi como começar de novo. Todas as coisas que estavam a seu favor antes, agora não estavam mais lá."

Finalmente, no final de 2012, ela assinou com uma nova agência de talentos que a levou até "Unbroken", uma adaptação para o cinema do best-seller escrito por Laura Hillenbrand sobre Louis Zamperini, um corredor olímpico que sobreviveu 47 dias em um bote salva-vidas após o avião em que estava cair no mar, e foi capturado por guerrilheiros japoneses, mantido prisioneiro e torturado por mais de dois anos na Segunda Guerra Mundial.

Jolie apressadamente mostrou sua ideia a Brad Pitt: "Oh, querida", ele disse a ela "e isso tem estado ai desde sempre."

Filmes que demoraram a serem feitos

A história de Hollywood está cheia de casos de filmes que levaram décadas para serem feitos. O roteirista Craig Borten que trabalhou no ano passado em "Clube de Compras Dallas" começou com o projeto em 1992, e uma sequência para o filme "Uma Cilada para Roger Rabbit" é pensada desde 1988.

No entanto, esses atrasos são apenas um piscar de olhos em comparação com a história de Zamperini, um conto épico de sobrevivência, desespero, heroísmo e redenção, que foi deixado de lado pelo estúdio Universal Pictures durante mais de meio século. O estúdio comprou os direitos de seu livro de memórias, "Devil at My Heels", em 1956, e desejava Tony Curtis no papel principal. Mas o ator assinou contrato para "Spartacus" em vez disso, e como o próprio Zamperini o filme ficou à deriva.

O filme ficou lá esquecido até que um produtor especialmente determinado decidiu em 1998 que trazer o drama da vida real de Zamperini para as telas seria sua cruzada, então o filme foi revivido. E mesmo com toda a determinação do produtor, o filme morreu novamente, e sobre outras inúmeras mortes, seu provável destino estava condenado, até que uma escritora lutando contra a síndrome da fadiga crônica fez a escolha transformadora e selecionou Zamperini como tema de seu próximo livro.

Recriando o acidente aéreo
Em Janeiro, dentro de um estúdio cavernoso no Village Roadshow Studios perto de Gold Cost, Austrália, dezenas de pessoas como figurinistas, assistentes, figurantes formavam a equipe de produção de Jolie, eles se preparavam para recriar o acidente do B-24, avião que transportava Zamperini, e é conhecido por todas as pessoas que temiam a voar nele como o Besouro Verde.

Enquanto o estreante Jack O'Connell (Zamperini), assim como Domhnall Gleeson (Russell Allen - "Phil" Phillips) e Finn Wittrock (Francis "Mac" McNamara) se prepararam para a impacto dentro do bombardeiro, a equipe de efeitos de "Unbroken" balançou o avião violentamente, enchendo sua fuselagem com uma explosão de água do mar. Depois de verificarem e se certificarem que todos os membros do elenco saíram ilesos, o elenco e a equipe aplaudiram ruidosamente, Jolie aceitou os parabéns e um diretor-assistente pediu uma pausa para o almoço. Quando todos saíram, uma pessoa ficou para trás, radiante. Foi o produtor Matthew Baer, que finalmente havia testemunhando a materialização de seu sonho.

Baer sabia há anos que ele tinha sido o alvo de piadas de Hollywood.

Matthew Baer está na ativa novamente. E gostaria de saber, se é por causa de "Unbroken"? Quando você finalmente vai desistir e fazer outra coisa?

"Foi constrangedor", disse Baer. Por 11 anos, ele não fez um filme, seu último crédito como produtor foi à comédia com a atriz Gwyneth Paltrow “Voando Alto” em 2003 que foi rapidamente esquecida. Sua esposa Amy Baer, produtora e presidente da CBS, foi sua marcha para fora do cinema. "Cada produtor tem o seu projeto de paixão", disse Baer, de 49 anos, um quieto e pensativo pai de dois. "E eles podem ser ridicularizados por tê-lo por tanto tempo."

Os nervos podem ter sofrido um grande peso, mas Baer sabia que abandonar o filme por completo teria sido muito mais doloroso. "Eu nunca pensei em parar", disse ele. "Nunca".

Baer encontrou-se pela primeira vez com Zamperini através de um documentário feito pela CBS para os Jogos Olímpicos de 1998 em Nagano, Japão. As circunstâncias realizaram uma particular relevância, porque Zamperini tinha competido nos Jogos de 1936 em Berlim, onde ele correu, mas não ganhou a medalha nos 5.000 metros. Sua promissora carreira foi interrompida pela guerra, quando Zamperini se alistou no Corpo Aéreo do Exército.

Seu avião com defeito caiu no Oceano Pacífico em 1943, milhas e milhas longe da terra, matando oito da tripulação de 11 homens. Zamperini, Phillips e McNamara, sem rações significativas ou suprimentos em sua jangada, tiveram que sobreviver com água da chuva, aves cruas, peixe e fígado de tubarão. McNamara morreu no mar, e após 47 dias em seu barco Phillips e Zamperini foram resgatados e se tornaram prisioneiros de guerra, além de serem torturados pela guarda particularmente sádica Mutsuhiro Watanabe, apelidado por seus captores "The Bird". A história de Zamperini aparentemente tinha tudo o que Hollywood queria: um herói extraordinário, um vilão desprezível, o conceito épico, ação de guerra e peças ricas para uma série de jovens atores.

O roteirista de televisão e diretor Mick Garris, enviou o documentário ao seu agente de talentos, que o repassou para Baer, em seguida, ao chefe da Brillstein-Grey Films. Tendo em conta que relativamente poucas pessoas até o momento sabiam da história de Zamperini e que os estúdios não tinham medo de fazer sérios dramas de guerra como "Batalha de Balaclava" e "O Resgate do Soldado Ryan", isso fez com que o material de origem gerasse entusiasmo imediato. Baer se reuniu com Zamperini e Garris, e lhes contou como estava impressionado pela jornada de vida dele, logo em seguida os direitos do filme foram para nas mãos de Baer. "Nós sabíamos imediatamente que ele era o cara certo, você pode sentir a sua paixão", disse Garris.

Tendo comprado as memórias de Zamperini mais de 30 anos antes, a Universal ainda controlava os direitos da vida dele para a realização de um filme, então a Brillstein-Grey fez um acordo com eles. Nicolas Cage, um recente vencedor do Oscar por "Despedida em Las Vegas" foi anexado ao projeto, então começaram ad busca por um diretor e um roteirista.

Em pouco tempo, porém, Baer e todos os outros envolvidos no que foi chamado de "Untitled Louis Zamperini Project" vieram a reconhecer que a história era tão vasta como as águas do oceano em que Zamperini tinha flutuado por quase dois meses: Eles simplesmente tinham muito material, e ninguém conseguia descobrir exatamente quais partes da história poderiam abordar e quais deixar de fora.

Capítulos sobre Zamperini

Dentro de sua casa em Hollywood Hills, onde vive desde 1957 (ele comprou a casa por 8.000 com a venda para a Universal de seu livro de memórias original um ano antes), Zamperini é tão acentuado como algumas pessoas mais jovens. Embora seja menos ativo do que nos últimos anos, ele ainda faz palestras motivacionais ocasionalmente e responde um fluxo constante de cartas de fãs.

Há capítulos distintos sobre a vida de Zamperini, freqüentando na adolescência a Torrance High School e depois a University of Southern California, competindo nas Olimpíadas de Berlim, sobrevivendo a guerra e seu carrasco, a sua conversão religiosa depois de se tornar um alcoólatra, quando voltou pra casa.

Nos dias de hoje, Zamperini ainda pode surpreender a família e os amigos com histórias que não tinham compartilhado antes, tais como Watanabe arrancou um dente molar após socá-lo na mandíbula. "Ele me bateu forte," demonstra Louis. "E depois que eu finalmente fui resgatado, os médicos disseram que precisavam substituir o dente."

Dada a riqueza de detalhes e a ampla extensão de suas experiências, não é de estranhar que os roteiristas que tentaram resumir sua vida em um filme de duas horas lutaram incansavelmente até conseguir. Em 1999, o dramaturgo Robert Schenkkan ("The Kentucky Cycle") escreveu um rascunho, chamando-o de "Homem de Ferro", que cobria a maior parte da vida de Zamperini, inclusive depois da guerra. A Universal queria contratar um diretor da lista-A de hollywood, mas Steven Spielberg, Ridley Scott, Ron Howard, Robert Zemeckis e Mel Gibson recusaram. "Era provavelmente algo muito grande para ser feito", Kevin Misher, chefe de produção da Universal na época, disse sobre o projeto de Schenkkan.

Antoine Fuqua ("Dia de Treinamento") rapidamente se juntou ao projeto em 2002, mas o deixou para dirigir "Rei Arthur", e Tom Shadyac ("Todo Poderoso"), posteriormente, flertou com o projeto, mas em última análise descartou a hipótese. Neil Tolkin ("O Clube do Imperador") reescreveu o roteiro em 2004, e mesmo que ele estivesse interessado acabou caindo na cobiçada "lista negra" de Hollywood dos melhores roteiros não produzidos, e a Universal não poderia ter o diretor que queria. Como o tempo foi passando Nicolas Cage já estava muito velho para o papel, e Ashton Kutcher foi mencionado como a possível estrela principal do filme.

"A história é excelente, mas este tipo de filme precisa de um bom roteiro, e um diretor certo", disse Scott Stuber, sucessor de Misher na Universal.

Milhares de quilômetros de Hollywood, em uma casa geminada de 1.500 metros quadrados, em Washington, DC, uma mulher estava prestes a mudar o curso da história do filme.
Tópicos do livro

Quando Laura Hillenbrand estava fazendo pesquisas para seu livro anterior, "Seabiscuit: Uma Lenda Americana", ela estava olhando páginas de esportes narrando corridas de cavalo puro-sangue, e não sabia que iria tropeçar no nome de Zamperini. Após a descoberta da historia de vida dele, ela decidiu fazer esse o tema de seu próximo livro, e a notícia de sua decisão chegou até Baer.

Na mesma época, em 2003, a Universal estava lançando a adaptação para o cinema do best-seller de Hillenbrand; "Seabiscuit" que agradou os críticos e cinéfilos, arrecadando mais de US $ 120 milhões só nos EUA. Se a decisão da autora deu a Baer qualquer impulso notável sobre o filme de Zamperini isso não estava claro ainda.

"Não havia nenhuma evidência sobre quando o livro sairia", disse Baer . Tendo deixado a Brillstein-Grey, ele tentou obter financiamento para o projeto, mais cada possível pretendente se recusou a financia-lo, pois estavam preocupados que esse seria um filme difícil de lançar.

Quando o livro foi finalmente lançado, tornou-se um fenômeno editorial (e ainda está na lista de mais vendidos quase quatro anos depois), "Untitled Louis Zamperini Project" de Baer imediatamente tornou-se "Unbroken". Mais sua viagem até as tela ainda sofreria mais alguns contratempos.

Em 2010, Francis Lawrence ("Água para Elefantes") foi brevemente anexado a direção, mas acabou deixando-a para dirigir a sequencia do sucesso de bilheterias "Jogos Vorazes". Trabalhando com ainda mais material de origem do que apenas o livro de memórias de Zamperini, e o livro de 496 paginas de Hillenbrand, alguns roteiristas, incluindo Richard LaGravanese ("The Fisher King") e William Nicholson ("Gladiador"), tentaram adaptar o livro, mas novamente se esforçaram para decidir o que incluir no filme.

Os desafios eram compreensíveis. Ao contrário de "Capitão América" ou "Bastardos Inglourious", a história ia ser um sério drama da Segunda Guerra Mundial, que lidava com o sofrimento inimaginável e o tratamento desumano do Japão com seus presos, quase um em cada três norte-americanos morreram no cativeiro. Para todos os relato exaustivo e desgastante de Hillenbrand, Zamperini não vem transversalmente como especialmente refletido. Finalmente, com centenas de milhares de exemplares de " Unbroken " impressos, cada pedaço importante do livro de Hillenbrand potencialmente provocaria reclamações.

Em 2012 após uma conversa com Pitt, Jolie leu o projeto mais recente do roteiro e se deu conta, assim como muitos antes dela, que não sabia muito a respeito da historia. Mas ela pegou o livro de Hillenbrand e em sua casa que não fica mais do que algumas centenas de metros da residência de Zamperini se perdeu na deliciosa leitura, "Se ele tivesse olhado pela janela, teria me visto devorando-o o livro", disse Jolie.

"Eu não estava realmente procurando algo grandioso, dessa importancia", observou a estrela de 38 anos. " Mas a forma como Laura escreve sobre ele é exatamente do jeito que eu gosto de ler quando se trata de historias sobre pessoas. Era como se eu estivesse testemunhando o nascimento de um homem. Era algo que eu queria contar aos meus filhos. "

Algumas semanas mais tarde, às 2 da manhã, no Camboja, Jolie acordou de repente com o filme claramente em sua mente. Ela pediu para se encontrar com Donna Langley, presidente da Universal Pictures, para mostrar sua visão sobre o filme, que seria até a libertação de Zamperini, mas não incluiria sua luta contra o alcoolismo e a conversão religiosa, inspirada em Billy Graham. Jolie chegou ao estúdio com um saco de lixo cheio de cartas "engraçadas" e gráficos para mostrar sua ideia, e apresentou tudo do melhor que jeito que podia ", "Eles ainda riem de mim por causa disso", disse Jolie.

"Ela foi realmente impressionante, profunda e completa", disse Langley. O estúdio sempre havia pensando em contratar um cineasta veterano (sem mulheres na lista), dando-lhe um orçamento de US $ 120 milhões. Após a reunião com Jolie, a Universal mudou de ideia, reduziu o investimento para US $ 65 milhões e deu um grande salto com uma diretora iniciante. "Não foi uma escolha imediata e óbvia para todos", disse Langley." Mas ela venceu a disputa. Ela mereceu."

Joel e Ethan Coen, que compartilham o mesmo agente de talentos de Jolie, Rich Klubeck da UTA, e tinham um raro espaço livre em suas agendas, foram contratados para colaborar com Jolie e revisar o roteiro, adoramos o livro de Hillenbrand disseram os irmãos Coen. No verão de 2013, mesmo após a co-financiadora Walden Media desistir do projeto no último minuto e ter sido substituída peça Legendary Pictures, todas as peças finalmente tinham se encaixado.

Quinze anos depois de Baer ter visto o documentário da CBS, e 56 anos depois da Universal ter comprado as memórias de Zamperini, "Unbroken" finalmente tinha um sinal verde.

Respeito profundo

Em uma rápida visita ao set do filme na Austrália, é óbvio que Jolie tem um profundo respeito, se não dizer uma devoção por Zamperini, Pitt ainda encomendou pinturas a óleo sobre Louis de presente de Natal para Jolie, e para Hillenbrand. A autora ainda é consultora no filme, leu muitos rascunhos de roteiros, e frequentemente fala com Jolie.

"É uma enorme responsabilidade", disse Jolie. "E eu estou constantemente fazendo perguntas. 'Como é que vocês realmente pegaram um tubarão? Como se parece o fígado dele? Como foi que vocês comeram um albatroz? Como foi cair de avião?'"

Para transformar suas ideias em realidade, Jolie contratou alguns dos principais nomes de Hollywood, incluindo o diretor de fotografia Roger Deakins "No Country for Old Men" e o editor Tim Squyres "Life of Pi" como colaboradores. No mês passado, em uma convenção para donos de cinema em Las Vegas, Jolie mostrou vários minutos do filme, que sugeriu que "Unbroken" será uma brilhante, sensação americana, particularmente por suas representações do jovem Zamperini, e uma representação muito mais escura do campos de prisioneiros, que chamam a atenção para as fotografias sujas de Sebastião Salgado, brasileiro de Minas Gerais.

"No fim das contas, mais do que nunca sua mensagem é tudo o que precisamos agora, é a jornada de um homem em busca de seu caminho através da escuridão até a luz", disse a cineasta aos espectadores, acrescentando que o filme tem ressonância moderna especial, exatamente como Zamperini é" alguém que ajuda a lembrar a todos o que cada um de nós somos capazes de fazer. "

Em retrospecto, é claro, mesmo para Baer que o livro de Hillenbrand foi necessário para fazer o filme." Pode-se argumentar que perante o lançamento do livro eu era um dos maiores especialistas sobre a vida de Louis", disse Baer." Mas o que Laura escreveu fez parecer como se eu não soubesse de nada. Podemos dizer que absolutamente, e positivamente Laura é 100% a razão para 'Unbroken' finalmente ter acontecido."

À medida que o filme se aproxima de seu lançamento no dia 25 de dezembro, Baer olha para trás em todas as falsas tentativas e acredita que toda a frustração e sofrimento acabou por valer a pena. Se soubesse de alguma forma, ele teria sido capaz de fazer o filme antes, mais não acredita que teria sido tão bem como está hoje.

"Todo mundo me dizia: 'Por que você ainda está falando sobre Zamperini?'", Disse Baer, sobre todos os céticos que lhe falaram isso ao longo dos anos." E eu disse,  Porque eu acredito nele. E é uma história incrível."

Fonte: Los Angeles Times

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