Angelina Jolie estampa a capa e concedeu entrevista para a revista Cidade Jardim

 
 
 
 
A superlativa

Angelina Jolie não é mulher de um só papel. Aos 39 anos, assume o mais relevante deles: o de Embaixadora de múltiplas causas sociais. E, acima de tudo, se diz consciente de sua verdadeira missão.

Dezesseis anos atrás, Angelina Jolie divulgava seu primeiro trabalho como protagonista no documentário GIA - Fama e destruição, da HBO. Era uma menina de 23 anos, tão magra quanto agora e assustada com tanta atenção — raramente levantava o olhar, mexia constantemente nos longos cabelos, sorriso nervoso. “Eu sabia o que queria como profissão, mas não tinha consciência do que realmente era a tal da fama. Na verdade, nunca me interessei muito por ela”, diz hoje a atriz, com a calma e a confiança de quem atingiu a maturidade.

Com “a tal da fama”, porém, Angelina teve de conviver desde cedo. Nascida em Los Angeles, filha do ator e produtor norte-americano Jon Voight e da modelo e também atriz norte-americana Marcheline Bertrand, ela fez sua estréia no cinema aos 7 anos, ao lado do pai, no filme “Looking To Get Out”. Aos 11, foi estudar arte dramática no estúdio de Lee Strasberg, com quem sua mãe havia se formado. Teve uma adolescência difícil, com crises de depressão e uma fase punk-gótica, que superou com ajuda do trabalho. Entre 1995 e 1999, começou a se destacar em papéis que privilegiavam, além de sua beleza exótica, a habilidade em interpretar personagens complexos, como a sociopata Lisa Rowe, de Garota Interrompida. “Angelina é um grande talento. Tem o dom de ser frágil e forte ao mesmo tempo”, define a produtora e roteirista Deborah Calia, presidente do Producers Guild of America, o sindicato dos produtores dos Estados Unidos.

Essa personalidade multifacetada rendeu à atriz uma série de indicações e prêmios, entre eles três Globos de Ouro [George Wallace, Gia - Fama e destruição e Garota interrompida] e o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante [Garota interrompida]. Mas o sucesso profissional trouxe também conflitos interiores do passado e uma grande exposição de sua vida pessoal. A fama de rebelde, as brigas públicas com o pai, os casamentos tumultuados — com os atores Jonny Lee Miller e Billy Bob Thornton— e as aparições bizarras no tapete vermelho, como no Oscar de 2000, quando foi fotografada dando um beijo na boca do próprio irmão, o diretor James Haven Voight, passaram a ser assunto recorrente na mídia. Para Clint Eastwood, que a dirigiu no filme "A Troca (2008)", esse interesse na vida particular de Angelina que acaba, por vezes, ofuscando sua competência profissional. “Como ela vive nas capas de revistas por motivos que não têm nada haver com seu trabalho, é muito fácil para as pessoas se esquecerem da grande profissional que é. Já trabalhei com atrizes ótimas, mas creio que nenhuma delas tenha chegado ao set tão preparada quanto Angelina. Ela não tem medo de se arriscar, de sentir e expor emoções diante da câmera. Trabalha ao mesmo tempo com a inteligência e o instinto.”

Em 2001, Angelina resolveu direcionar essa dedicação para além do set de filmagem. Durante as gravações de Lara Croft, Tomb Raider, no Camboja, ao deparar com problemas de uma região devastada por conflitos, a atriz teve o que chama de despertar: era o início de seu envolvimento em causas humanitárias. Ali adotou seu primeiro filho, Maddox, hoje com 13 anos. Depois de assumir a união com o ator Brad Pitt, em 2005, ela repetiria o feito mais duas vezes: do Vietnã, trouxe Pax, que completa 11 anos no fim de novembro; da Etiópia, Zahara, hoje com 9 anos [na seqüência vieram os filhos biológicos da dupla, Shiloh, 8 anos, e os gêmeos Knox e Vivienne, 6 anos].

Em 2OO3 Angelina criou a instituição Maddox Jolie, responsável pela construção de escolas e hospitais no Quênia, no Camboja, no Afeganistão e na Etiópia — onde fica, por exemplo, o Zahara’s Children Center, dedicado a portadores de HIV e tuberculose. Quatro anos depois, já ao lado do marido, rebatizou o projeto de Fundação Maddox Jolie-Pitt. Hoje, a atriz ocupa o posto de Enviada Especial do Alto Comissariado para Refugiados das Nações Unidas e, desde junho, é Dama Angelina Jolie, Comandante da Ordem de São Miguel e São Jorge, título concedido pela rainha Elizabeth II pela importância de seu trabalho social. “Poder dar pequenos passos na direção de alguma melhoria real é uma grande satisfação”, diz ela.

Difícil é imaginar essa mulher num discreto Valentino preto e saltos Louis Vuitton, atravessando áreas de conflito, visitando acampamentos de refugiados ou dormindo em tendas... Mas essa é uma missão que Angelina abraçou com a mesma paixão que dedica a outras coisas de sua vida-—um jeito, segundo a própria, de dar sentido a tudo o que conquistou ao longo da carreira.

Em entrevista à Cidade durante o lançamento de seu último filme, Malévola, a atriz falou sobre suas escolhas, incluindo como é administrar a numerosa família Jolie-Pitt.

CJ: O que é luxo para você?

AJ: Tempo e saúde.

CJ: E de que maneira você administra o tempo na casa da família Jolie-Pitt?

AJ: Se estou filmando, chego em casa—seja onde a “casa” esteja, porque em geral levamos as crianças conosco quando estamos fora — e reservo um tempo para eles, individualmente. Sempre conversando com cada um para saber como foi o dia, o que estão pensando. Quando estão dispostos, brincamos, mas muitas vezes eles só querem conversar. Como são educados em casa, é importante ter um planejamento de atividades. Brad e eu levantamos às 7h3o, preparamos o café da manhã e vamos acordá-los. As 8h3o os deixamos com os professores. Depois, saímos para trabalhar e voltamos a tempo para o jantar, que é sempre às 18h3o. Não importa como foi o dia, fazemos de tudo para estar em casa.

CJ: Você acredita que seus filhos tenham interesse em seguir a carreira dos pais?

AJ: Não queremos mantê-los afastados da possibilidade de atuar, só achamos que não é boa coisa ter apenas isso como centro da vida. Maddox, por exemplo, gosta muito de música e de literatura e, nas férias, trabalha como estagiário no nosso escritório [Brad Pitt tem sua própria produtora, a Plan B]. Os outros acabam sempre dando um jeito de aparecer nas filmagens, o que pode ser um caos, mas é sempre divertido. Não queremos atrapalhar a formação deles, apenas que cresçam com orgulho de quem são e do que gostam.

CJ: Assim como você estreou no cinema com seu pai, Vivienne atua pela primeira vez, ao seu lado, em Malévola. Foi você quem fez o convite, não?

AJ: Eu não tive coragem de fazer um convite formal, porque sei bem que a última coisa que Vivienne quer na vida é ser princesa [ela interpreta a princesa Aurora jovem no filme]. Então, fiz uma abordagem bem informal e ela achou engraçado. Ficou ligeiramente ofendida de ser considerada para o papel de princesa, mas acabou aceitando a idéia, principalmente depois de ter inventado um outro personagem, o Marcus, melhor amigo da Malévola, que também tem chifres e um arco e flecha.

CJ: Ela não teve medo de ver você transformada na personagem?

AJ: Estranhou um pouco, mas o mais difícil foi colocá-la num vestido de princesa. Depois, ela começou a se divertir. E fui fazendo uns testes em casa. À noite, antes de dormir, ao contar histórias para as crianças, comecei a usar as vozes que queria fazer como Malévola. Foi fácil: escolhi a que provocou mais risos entre eles.

CJ: Como é o relacionamento entre seus filhos? Eles se dão bem?

AJ: Shiloh é uma moleca. Maddox é o mais sério. Como são seis, acabam formando pares. Pax e Shiloh fazem skate juntos, os dois são loucos por skate. Já Zahara e Vivienne amam brincar de boneca. E todos gostam de nadar, pegar onda e são extremamente curiosos e interessados em aprender coisas novas. Isso faz nosso trabalho como pais ser muito mais fácil.

CJ: Como você equilibra a rotina de atriz e seu ativismo?

AJ: Procuro dedicar períodos específicos a uma coisa e a outra. Hoje o trabalho que mais me move é o humanitário. E algo que eu nunca poderia deixar de fazer.

CJ: Você envolve as crianças nos seus trabalhos sociais?

AJ: Sempre que possível. Quando estive recentemente nos campos de refugiados, na fronteira da Jordânia, levei Pax comigo. Quero que eles tenham, desde já, consciência do que acontece no mundo. Quando não podem ir, estudam em casa, com os professores, sobre onde eu estou, o que está acontecendo naquela região, e como estou tentando ajudar. Quero que meus filhos saibam como é difícil ser criança em certos lugares, e como essas pessoas são sobreviventes.

CJ: Você se tornou Líder na luta pelos direitos humanos, especialmente pelo fim da violência contra as mulheres. Corno começou o interesse por essas questões?

AJ: Essa idéia sempre esteve presente na minha vida. Minha mãe costumava se envolver em questões de direitos humanos [Marcheline Bertrand morreu aos 56 anos, vítima de câncer]. Ela era descendente da tribo indígena Huron [uma das primeiras a habitar regiões como o Canadá] e foi uma das criadoras da Fundação Para Todas as Tribos, de apoio aos primeiros habitantes das Américas. E eu sempre a acompanhava nos eventos.

CJ: Houve algum acontecimento especial para que você começasse a colocar a mão na massa?

AJ: Meu despertar veio no Camboja quando estava filmando o primeiro Tomb Raider. Escutava histórias de tudo aquilo que o país tinha passado e comecei a conversar com mulheres que trabalhavam na equipe do filme. Tanto sofrimento, tantas perdas, e elas continuavam de pé. Me senti muito mal e comecei a questionar: “Quem sou eu para merecer tanto privilégio? De onde vem a força dessas mulheres? E o que eu posso fazer por elas?”.

CJ: E qual foi a resposta?

AJ: Primeiro, tinha que entender melhor o que se passava no mundo. Quando acabaram as filmagens, procurei as Nações Unidas para me informar. Fui encaminhada para o Comissariado para Refugiados e pedi a eles autorização para visitar, como observadora, as áreas consideradas mais críticas. Quando pus a mochila nas costas e fui para a África, para Bangladesh, para o Sudeste Asiático [as viagens aconteceram entre 2001 e 2005], pude ver o que realmente estava acontecendo. Entendi que a carreira que eu estava construindo poderia ter um significado muito maior.

CJ: Você foi nomeada pelas Nações Unidas Enviada Especial do Alto Comissariado para Refugiados. Como é seu trabalho?

AJ: Me vejo como testemunha ocular do que está se passando em áreas das quais o mundo e a mídia facilmente se esquecem. E sei que é quase impossível manter a atenção dos veículos e das autoridades em todos os lugares. É aí que eu posso fazer a diferença, interagindo com as pessoas em campo, ouvindo as necessidades, compreendendo obstáculos e dificuldades. Em geral, peço para passar pelas mesmas situações que vivem as pessoas locais e as equipes de apoio. Sempre que possível, vou sozinha para observar e ouvir, sem interferência. Muitas vezes o que eles precisam é escutar: “Estou aqui, sou um ser humano como você e você é importante para mim”. Depois, cabe a mim levar essas situações ao conhecimento das Nações Unidas, e fazer o possível para que as necessidades sejam atendidas. Posso falar a portas fechadas com presidentes ou primeiros-ministros e altos secretários. Minha missão é fazer com que a minha voz seja a voz de todas essas pessoas.

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