Elle Magazine: Angelina Jolie diz que o mundo precisa de mais mulheres más

Por: Angelina Jolie
Fotos: Alexi Lubomirski

MALEFICENT: adj., Causando ou capaz de produzir mal ou danos; nocivo ou maligno [do latim maléfico, feiticeiro, bruxa, propenso ao mal, ruim, mal]. Malefice: n. (arcaico), um ato perverso ou encantamento.

O que tem por trás do poder de uma mulher livre de mente e corpo que foi percebida como tão perigosa ao longo da história? No passado, o mandamento do Antigo Testamento “Não permitirás que uma bruxa viva” foi tomado literalmente ao pé da letra. Dezenas de milhares de pessoas foram executadas por maleficia, o alegado crime de más ações através da magia, desde a caça às bruxas na Europa até os julgamentos de Salem na América. A grande maioria destas pessoas eram mulheres.

Como a teoria da conspiração dizia, seria qualquer coisa que você não pudesse explicar - de uma colheita ruim até uma criança que adoece - eram coisas que poderia ser atribuída à influência de uma mulher supostamente malvada. Estas eram muitas vezes viúvas desamparadas, que viviam como curandeiras à margem da sociedade, ou mulheres mais jovens, cujos poderes sedutores podiam facilmente ser atribuídos à magia.

As mulheres podem ser acusadas de bruxaria por terem uma vida sexual independente, por falarem sobre política ou religião, ou por se vestirem de maneira diferente. Se eu tivesse vivido em épocas anteriores, eu poderia ter sido queimada na fogueira muitas vezes por simplesmente ser eu mesma.

A acusação de bruxaria tem sido usada para controlar e silenciar as mulheres em quase todas as sociedades e em todos os séculos. Joana d'Arc foi morta queimada no fogo na França do século XV por idolatria e heresia, inclusive vestindo roupas masculinas. As acusações iniciais contra ela incluíam bruxaria, e ela foi acusada de dançar perto de uma árvore de fadas à noite - comportamento de feitiçaria de livros didáticos.

É tão ridículo que quase parece engraçado, até você considerar que uma mulher dançando ou cantando em público é vista como ilegal ou indecente em muitos países hoje em dia. Garotas iranianas que postam vídeos de si mesmas dançando desafiam o que a lei do país e o dogma religioso ainda consideram um comportamento inaceitável para as mulheres, seis séculos depois.

Desde tempos imemoriais, as mulheres que se rebelam contra o que é considerado normal pela sociedade - mesmo que não intencionalmente - foram rotuladas como antinaturais, estranhas, perversas e perigosas. O que surpreende é a extensão em que esse tipo de mito e preconceito persistiu ao longo dos séculos e ainda manchou o mundo em que vivemos.

É surpreendente a frequência com que as mulheres que concorrem a cargos políticos em países democráticos são descritas como bruxas. Reúna um grupo de mulheres fortes e, em pouco tempo, alguém as rotulará de “Coven/Convenção” - termo técnico, para ser claro, para um encontro de bruxas que se reúnem à noite para se relacionarem com o diabo. As mulheres que defendem os direitos humanos em muitos países ainda são rotuladas como “depravadas”, “mães ruins”, “difíceis” ou “relapsas”.

No meu trabalho, viajo frequentemente para países onde sei que, se eu fosse uma cidadã, minhas crenças e ações como mulher poderiam me colocar na cadeia ou me expor ao perigo físico. Defensores de direitos humanos do sexo feminino em todo o mundo são encarcerados por suas opiniões políticas ou por defenderem a si mesmos ou a outros, com uma coragem que eu mal posso imaginar. Para todos os nossos avanços modernos, a independência e a energia criativa das mulheres ainda são frequentemente vistas como uma força perigosa a ser controlada, muitas vezes em nome da religião, tradição ou cultura.

Considere as estimadas 200 milhões de mulheres e meninas que hoje sofrem mutilação genital. Ou as aproximadamente 650 milhões de mulheres e meninas em todo o mundo que foram feitas para se casar antes dos 18 anos de idade. Milhares de mulheres e meninas são assassinadas por membros da família nos chamados crimes de honra a cada ano, como punição pelo exercício de sua própria vontade. E quando milhares de mulheres sudanesas tomaram as ruas de Cartum pedindo por eleições livres em seu país neste verão, a ordem foi para “parar as garotas”, levando a uma série de supostos estupros pelas forças de segurança.

Nada disso é para descartar ou subestimar, por um instante, os terríveis abusos contra homens e meninos - incluindo as modernas alegações de bruxaria. Mas olhando para o mundo, temos que perguntar: por que tanta energia é gasta para manter as mulheres em uma posição secundária/inferior?

Vistas sob esse aspecto, “mulheres malvadas” são apenas mulheres cansadas da injustiça e do abuso. Mulheres que se recusam a seguir regras e códigos que não acreditam ser melhores para si ou para suas famílias. Mulheres que não desistem de sua voz e direitos, mesmo correndo o risco de morte, encarceramento ou rejeição por parte de suas famílias e comunidades.

Se isso é maldade, então o mundo precisa de mais mulheres más.

Mas também é verdade que as mulheres não acordam todas as manhãs querendo lutar. Queremos ser capazes de ser gentis, estimulantes, graciosas e amorosas - nem todos nascem para lutar. E nós não temos poderes mágicos. O que temos é a capacidade de apoiar umas as outras e trabalhar com os muitos homens importantes que valorizam e respeitam as mulheres como iguais.

Penso em um pai que conheci na primeira vez em que fui a um campo de refugiados afegão no Paquistão, durante o governo do Taleban. Ele havia sido espancado tanto por mandar suas filhas para a escola que o branco de seus olhos estava amarelo devido aos danos causados ​​ao fígado. Eu penso em um marido sírio que conheci cuja esposa ficou paralisada depois que ela foi baleada na espinha por um franco-atirador. Eles viviam em um campo de refugiados, sem posses e sem ter para onde ir, mas acho que nunca vi um casal mais amoroso ou um marido dedicado. E eu não poderia estar mais orgulhosa de meus filhos pelos homens que eles estão se tornando, pela maneira como eles respeitam suas irmãs e são respeitados por elas.

Quem somos destinados a ser na vida é algo que todos nós temos que resolver por nós mesmos. Acho que muitas vezes, podemos deixar de ser mulheres, porque nosso instinto é nutrir ou nos ajustar às expectativas da sociedade. Pode ser difícil reservar tempo para nos perguntarmos quem realmente queremos ser - não o que achamos que outras pessoas vão aprovar ou aceitar, mas quem nós realmente somos. Mas quando você ouve a si mesmo, você pode fazer a escolha de dar um passo à frente e aprender e mudar.

Eu lembro quando aquele momento veio pela primeira vez para mim. Eu estava na casa dos vinte anos, encontrando refugiados em Serra Leoa durante os estágios finais de uma guerra civil brutal. Compreendi pela primeira vez o nível de violência que existe no mundo e a realidade da vida para os milhões de pessoas afetadas pelo conflito e pelo deslocamento. E descobri o trabalho e o propósito da minha vida.

Costumo dizer às minhas filhas que a coisa mais importante que elas podem fazer é desenvolver suas mentes. Você pode sempre colocar um vestido bonito, mas não importa o que você veste do lado de fora se sua mente não é forte. Não há nada mais atraente - você pode até dizer encantadora - do que uma mulher com uma vontade independente e suas próprias opiniões.

Com amor a todas as mulheres perversas e aos homens que as entendem. — Angelina Jolie.

Perguntas rápidas com Angelina Jolie

Comida favorita para relaxar?

Chá e Chocolate

Caseira ou nômade?

Nômade

The Rolling Stones ou The Beatles?

The Clash

Coleção Favorita?

Livros

Praia ou Montanha?

Deserto e Selva

Boliche ou Cozinhar?

Voar.⁣

Botas ou Saltos

Há um tempo e um lugar para ambos.

Cachorro ou Gato?

Dois cachorros, um hamster, um coelho, uma cobra, um lagarto... Nossa casa é um zoológico.

Qual a habilidade mais recente que você adquiriu?

Cortar madeira.⁣

Pelo que você é mais grata?

Meus filhos e minha liberdade

Ambição não realizada?

Eu sinto que estou no começo.

Figurino por Elizabeth Stewart; Cabelo por Adam Campbell do Wall Group; Maquiagem de Toni G para Joe Blasco Cosmetics; Manicure por EmiKudo para OPI; Cenografia de Jack Flanagan do Wall Group; Produzido por Nathalie Akiya na Kranky Produktions.

Fonte: Elle Magazine