Angelina Jolie é capa da revista Harper's Bazaar americana

À medida que encerramos 2019 e entramos em 2020, a HARPER'S BAZAAR escolheu Angelina Jolie para estampar a edição de final de ano porque, simplesmente, não há mais ninguém como ela. Jolie passou quase 20 anos com a Agência de Refugiados da ONU lutando pelos direitos e liberdades das pessoas deslocadas e mais de 10 anos financiando escolas para meninas do Afeganistão ao Quênia e Camboja. Ela é professora visitante na London School of Economics, educando estudantes sobre paz e segurança e a luta pelos direitos das mulheres internacionalmente. Ela defende a saúde das mulheres - em particular, o tratamento para o câncer - que com honestidade, falou abertamente sobre suas próprias experiências de saúde nos últimos anos.

Aqui, ela escreve abertamente sobre "cicatrizes visíveis e invisíveis", sua luta pela liberdade em todo o mundo e por que ela não se importa de compartilhar sua nova casa no Camboja com uma família de esquilos.

HARPER'S BAZAAR: Nessas fotos, podemos reconhecer seu lado ousado, o espírito livre que conhecemos a muito tempo. Essa é uma caracterização justa?

ANGELINA JOLIE: Meu corpo passou por muita coisa na última década, principalmente nos últimos quatro anos, e eu tenho cicatrizes visíveis e invisíveis para mostrar. As invisíveis são mais difíceis de combater. A vida dá muitas voltas. Às vezes você se machuca ou vê aqueles que ama, sentindo dor e não pode ser tão livre e aberta quanto seu espírito deseja. Não é novo ou antigo, mas sinto o sangue retornando ao meu corpo.

Você sente que está se encontrando de novo?

AJ: Aquela parte nossa que é livre, selvagem, aberta, curiosa pode ser colocada para baixo pelas circunstancias da vida. Seja pela dor ou por algum dano causado. Meus filhos conhecem meu verdadeiro eu e me ajudaram a encontrá-lo novamente e a abraçá-lo. Eles passaram por muita coisa. Eu aprendo com a força deles. Como pais, incentivamos nossos filhos a abraçar tudo o que eles são e tudo o que sabem que existe em seus corações, e eles olham para nós e querem exatamente o mesmo.

Como mãe de seis filhos, em um mundo dominado pela mídia social como um palco público, sob escrutínio implacável, como você ensina seus filhos a serem ousados?

AJ: Conhecer o nosso verdadeiro eu é uma pergunta muito importante para todos nós. Especialmente uma criança. Eu acho que as crianças precisam ser capazes de dizer: "Isso é quem eu sou e o que acredito". Não podemos impedir que elas experimentem dor, mágoa, dor física e perda. Mas podemos ensiná-los a viver melhor com isso.

Como figura pública, como você lida com a frustração de ser constantemente incompreendida? Qual você acha que é o maior equívoco que dizem sobre você?

AJ: Eu tenho uma tatuagem: “Uma prece aos rebeldes de coração enjaulado.” Eu a fiz durante meus 20 anos. Estava com minha mãe uma noite e me senti perdida. Eu estava inquieta - como sempre. Eu ainda estou. Estávamos indo jantar, e ela falou sobre passar um tempo com Tennessee Williams e o quanto ela amava as palavras dele. Ela me disse que ele escreveu isso, sobre o coração selvagem. Dirigimos a um estúdio de tatuagem e eu a gravei no meu braço esquerdo. O que ela fez por mim naquela noite foi para me lembrar que a natureza dentro de mim é boa e faz parte de mim.

Eu vejo tanta beleza em outras pessoas. Não naqueles que estão fingindo ser algo diferente de seus verdadeiros eus. Ou aqueles que estão prejudicando os outros e mentem. Mas os selvagens. Aqueles que são emocionais, abertos, que estão buscando por algo e desejando serem livres, os honestos. Porque qualquer outra coisa, é uma jaula impossível de se viver.

Esta é a edição de final de ano. Olhando para o futuro em 2020, você tem uma mensagem para os leitores?

AJ: Meu sonho para todos em 2020 é lembrar quem eles são e ser quem são, independentemente do que possa estar atrapalhando sua capacidade de ser livre. Se você sentir que não está vivendo sua vida plenamente, tente identificar o que é ou quem está impedindo sua respiração. Identifique e lute contra o que quer que esteja lhe oprimindo. Isso assume várias formas e será uma luta diferente para todos. Digo isso com um profundo entendimento de que, para tantas mulheres, a liberdade simplesmente não é uma opção. Seu próprio sistema, comunidade, família, governo trabalha contra elas e faz parte do que as está impedindo. Estou lendo o livro No Visible Bruises, que aponta que entre 2000 e 2006 mais mulheres americanas morreram por homicídio doméstico do que soldados americanos morreram no campo de batalha. É chocante que em todo o mundo o lugar mais perigoso para as mulheres hoje seja o lar. Ainda existem mais de uma dúzia de países onde a violência contra uma esposa ou membro da família é legal. E mais de 10 países onde os autores de estupro ainda podem escapar da acusação, se se casarem com a vítima. E existem mais de 70 milhões de pessoas deslocadas à força em todo o mundo, incluindo quase 26 milhões de refugiados. Nada disso é apenas "do jeito que o mundo é". É algo monstruosamente desequilibrado. E nossa resposta não pode ser, dar de ombros ou pensar apenas em nossos próprios países, porque estamos todos conectados. É hora de lutar. Se houver uma luta nesta vida, deve ser por liberdades e direitos. E se tivermos nossa liberdade, devemos lutar por outros que não o fazem.

Soa rebelde

AJ: Se ninguém nunca se rebelasse, nada mudaria.

Como mulher, o que significa ser verdadeiramente livre? E viver com ousadia?

AJ: Uma vida plenamente vivida é muito difícil de se fazer. E para muitas mulheres é impossível por causa do que elas estão enfrentando. Todos os dias, tenho consciência de que tenho a liberdade de falar abertamente e de fazer minhas próprias escolhas. E a capacidade de incentivar meus filhos a explorar o mundo, incluindo o mundo das idéias e da expressão, sem que haja limites para o que eles possam estudar, conhecer ou se imaginar fazendo no futuro. Acho que todos sabemos o que é ousadia, quando a vemos. Nada me faz sorrir mais do que quando vejo alguém sendo totalmente eles mesmos, com seu próprio estilo e caráter, seja o que for.

Como você gostava de se vestir quando era mais jovem?

AJ: Na escola, eu não era essa pessoa popular. Eu era punk. Eu adorava couro, PVC e meia arrastão. Esses eram meus três tecidos favoritos nos meus 20 e poucos anos. Lembro-me da primeira vez que usei calças de PVC. Eu estava esperando por uma audição, sentada ao sol em Los Angeles. Quando chegou a minha vez, minhas calças estavam grudadas. Eu não consegui o papel. Mas eu amei aquelas calças. Eu usava algo semelhante quando me casei com Jonny [Lee Miller].

As mulheres geralmente se sentem forçadas a viver de acordo com os padrões da “mãe e esposa perfeita”. Você acha que essa ideia de perfeição é perigosa e prejudicial para as mulheres?

AJ: Rotular as pessoas e colocá-las em caixas não é liberdade. Diferença e diversidade são o que mais valorizo ​​- na minha família e nas outras. Não quero viver em um mundo em que todos sejam iguais, e imagino que seja verdade para todos que estão lendo isso. Quero conhecer pessoas que nunca conheci antes e aprender coisas que ainda não sei. O desafio hoje é abraçar nossas diferenças. E não ser enganado pelos esforços para nos dividir ou nos fazer temer os outros. Estamos vendo um afastamento de valores em todo o mundo. Muitos governos estão menos dispostos a defender os tipos de valores que as gerações anteriores lutaram e morreram para garantir. Quando os governos se afastam, as pessoas têm que liderar o caminho, pois estão em diferentes partes do mundo.

Você já se sentiu restringida em sua própria vida?

AJ: Eu não penso assim sobre mim. Na minha juventude, me concentrei no que não tinha. Mas, quando viajava com pouco mais de 20 anos, meu despertar estava percebendo as liberdades que possuía em comparação com muitas pessoas ao redor do mundo. Eu experimentei uma infância livre de guerras. E desde então tenho a liberdade de construir minha família, criar arte e interpretar os personagens que gosto. Essa é uma das razões pelas quais investi em escolas para meninas em diferentes países. Ver alguém - mas especialmente uma jovem com tanto potencial - ter sua liberdade negada, é irritante para mim. Não acho que viveremos em uma nova era pelos direitos das mulheres, até que haja progresso. Até que as pessoas que estupraram e abusaram de mulheres e meninas na Síria e Mianmar e na RDC, por exemplo, sejam responsabilizadas. É por isso que o foco da Iniciativa Prevenindo a Violência Sexual em Conflitos é pressionar por um mecanismo internacional de responsabilização, um órgão que nos permita superar as barreiras da justiça, para que as acusações aconteçam.

Houve algum progresso em Hollywood, após o movimento #MeToo?

AJ: Como todos sabem, o ponto de partida habitual em qualquer situação como essa é uma investigação independente por especialistas que podem analisar os fatos e identificar quais mudanças e proteções legais são necessárias, para que haja uma certa avaliação e responsabilização por especialistas independentes. Isso não aconteceu.

Você construiu uma casa na selva cambojana e se tornou uma cidadã cambojana. Você pode nos contar sobre essa decisão? Quais foram alguns dos maiores desafios? E maiores recompensas?

AJ: Quando você tem uma mente elevada, como eu, você vai a lugares que a acalmam, e eu acho isso no deserto ou na selva no Camboja. Quando fui ao Camboja, pensei que as pessoas ficariam endurecidas por terem sofrido tanta dor e sofrimento por causa da guerra. Mas, na verdade, era o contrário. Eu os encontrei cheios de graça, luta e vida. É uma casa e uma sede para minha fundação. Havia desafios físicos, no entanto. Tivemos que remover quase 50 minas terrestres antes de podermos morar lá.

Você viajou pelo mundo como atriz e como Enviada Especial das Nações Unidas. Qual é o seu lugar favorito?

AJ: Meu lugar favorito é um lugar onde eu nunca estive. Eu gosto de ser transportada para o meio de algo novo. Eu gosto de estar fora da minha própria zona de conforto. Quero que as crianças cresçam no mundo - não apenas aprendendo, mas vivendo e tendo amigos em todo o mundo. No próximo ano, inauguraremos uma casa na África.

Você vai voltar para o Camboja em breve?

AJ: Recebemos um telefonema outro dia informando que os esquilos se mudaram para dentro de casa. Eles perguntaram se deveríamos removê-los, e Vivienne deixou bem claro que precisávamos cobrir os fios e deixá-los ficar. No entanto, as cobras locais podem ter sua própria opinião sobre isso. A última vez que estive lá, ouvi gritos no corredor porque um amigo havia encontrado um lagarto gigante debaixo do travesseiro. Claramente, os animais estão lá mais do que eu e eles sentem que é o lar deles.

Você fala sobre querer incentivar seus filhos a explorar o mundo, incluindo o mundo das idéias e da expressão. Você pode dar um exemplo específico de um momento em que você e sua família se depararam com esses tipos de limites sociais não mencionados?

AJ: Eu adoraria morar no exterior e o farei assim que os meu filhos tiverem 18 anos. No momento, estou tendo que me basear onde o pai deles escolhe morar.

Você diz que quer liberdade para os outros. O que você quer dizer?

AJ: Sim, e não apenas para aqueles que são oprimidos ou vivem com direitos limitados. Costumo perguntar às pessoas: "O que você sempre quis fazer?" Noventa por cento das vezes é uma meta alcançável e algo que elas admitem que já poderiam ter feito. Acho que o desafio é se perguntar o que você sempre quis fazer e faça-o. Não fique confortável com o que geralmente é aceito, encontre o novo. Encontre novos ares, sua originalidade, sua própria voz. Viva mais plenamente. Seja Rebelde. Resista. Pergunte, Questione. Seja curioso. Explore. Vá para fora do que é confortável para você. Diga o que você tem medo de dizer. Largue a revista que está lendo e faça uma coisa hoje que nunca fez antes.


Fonte: Harper's Bazaar