Angelina Jolie entrevista Geraldine Van Bueren para a revista Time

Por: Angelina Jolie

Quando a Carta da ONU foi assinada em São Francisco, em junho de 1945, com promessas de direitos iguais para todos, não havia qualquer menção específica sobre as crianças. Há trinta anos, foi adotada a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, reconhecendo pela primeira vez que as crianças têm seus próprios direitos, distintos dos adultos. A distinção é vital para os milhões de crianças que ainda vivem em conflitos, pobreza, violência e abuso. A professora Geraldine Van Bueren foi uma das redatores da convenção. Hoje tenha a chance de entrevista-la, e perguntei-lhe, se ela cumpriu sua promessa e qual é a mensagem dela para as crianças que lutam para serem ouvidas hoje.

Jolie: Nos conhecemos há vários anos, mas nunca ouvi falar de como você se envolveu na redação da convenção.

Van Bueren: Fui convidada pela Anistia Internacional para representá-los nas Nações Unidas no processo de redação. Eu tinha apenas 20 anos.

O que te levou a dizer sim?

Quando eu era jovem, morávamos com meus avós, que eram refugiados. Minha avó era uma criança pequena em uma família de 13 irmãos, quando atravessou a Europa, da Lituânia ao Canal da Mancha. Foi em uma época antecedente a criação de agências de ajuda, telefones celulares ou comida instantânea. Eu nunca a ouvi falar sobre o quão difícil isso deve ter sido. A maior parte da minha família holandesa e da Europa Oriental, incluindo jovens primos, foi assassinada no Holocausto. Desde os 11 anos de idade, eu queria ser uma advogada de direitos humanos para evitar que o mesmo acontecesse com outras pessoas.

Quando nos conhecemos, eu disse que meus filhos tinham um resumo da convenção na parede da sala de aula, mas que eu havia explicado a eles que até agora, os EUA não o ratificaram.

A recusa dos EUA em ratificar é intrigante, pois o país foi um dos principais redatores. Ele protege o direito das crianças à liberdade de expressão e à liberdade religiosa, os princípios fundadores da Declaração de Direitos. Baseia-se nos melhores interesses da criança, que tem sido um princípio fundamental da lei americana desde pelo menos o século XIX. Mas faz muito mais. A convenção nos diz para examinar os direitos das crianças pelos olhos delas mesmas, em poder participar das decisões que as afetam e fornecer informações em um formato apropriado para elas. Por isso, também ajuda a construir uma cidadania educada.

Que diferença faz a falta de ratificação para crianças nos EUA?

Como a infância era invisível para os Pais Fundadores, a Constituição não prevê filhos. Os Estados Unidos não estavam sozinhos nisso, mas outros países acrescentaram proteção legal aos direitos das crianças ao aceitar a convenção. Ele também fornece uma rede de segurança, que todas as crianças precisam ter, caso seu governo falhe. Incongruentemente, a principal agência infantil das Nações Unidas, UNICEF, sempre teve um americano como chefe, mas o trabalho do UNICEF é baseado em um tratado que os Estados Unidos não ratificaram.

Duas crianças americanas, Carl Smith e Alexandria Villaseñor, se juntaram a Greta Thunberg e crianças de 10 outros países ao registrar uma queixa alegando que a poluição do carbono viola seus direitos. Este é um exemplo da convenção em ação?

A petição deles diz respeito a todas as crianças e gerações ainda por nascer, por isso é generosa e compassiva. Sob o que é conhecido como Terceiro Protocolo, um tratado adicional à convenção principal, as crianças podem peticionar ao Comitê da ONU, mas somente depois de terem esgotado todos os recursos nacionais possíveis. Em outras palavras, se os Estados Unidos fizessem parte dela, os legisladores estaduais e federais e os tribunais estaduais e federais teriam primeiro oportunidades de remediar a violação. Isso é apenas senso comum.

As crianças poderiam aplicar a convenção a outras áreas?

Absolutamente. É uma Declaração de Direitos para crianças. O principal objetivo da convenção é atuar como um sistema de alerta precoce, para que crianças e adultos possam ressaltar que qualquer política ou lei específica, ou falta de política ou lei, tem um impacto prejudicial sobre as crianças - por exemplo, mídias sociais e o direito à privacidade.

Discutimos a importância de as crianças serem conscientizadas de seus direitos. Qual é a sua mensagem para elas?

A convenção é para as crianças do mundo. As crianças participaram da redação. Crianças americanas em idade escolar, pressionaram os governos a convencê-los a incluir a abolição da pena de morte, e as crianças da Primeira Nação Canadense pediram com sucesso a proteção dos direitos das crianças indígenas. As crianças podem usar as disposições da Convenção para exigir que seus direitos sejam protegidos. As crianças podem ajudar outras crianças e impedir que seus direitos sejam violados. Mas, para fazer isso, as crianças precisam conhecer seus direitos e receber apoio em como usá-los.

Há uma desconexão entre o que a Convenção da ONU diz ser direitos fundamentais para as crianças e a maneira como os governos escolhem quais eles irão ou não defender. Como chegamos ao ponto de defender os direitos da criança é visto como uma responsabilidade absoluta?

Você está certo de que muitas vezes há uma desconexão entre o que as crianças têm direito e o que está acontecendo com elas, particularmente as crianças refugiadas e crianças envolvidas em conflitos armados; situações pelas quais elas não são responsáveis. O que a Convenção faz é proporcionar um caminho para as crianças não serem alvejadas. Mas isso requer vontade política. O desafio é fazer das crianças a prancha central de nossas políticas. A infância não pode esperar.

Você já se desesperou com a diferença entre os ideais da ONU e a maneira seletiva de aplicá-los?

Não é útil que as crianças se desesperem quando ainda há muito a ser feito. O desespero é uma emoção paralisante. Não focamos o suficiente nos sucessos da Convenção, seja a redução da mortalidade infantil, a prestação de cuidados de saúde necessários ou a criação de maneiras pelas quais as crianças podem e tenham efetivamente participado de políticas - dos parlamentos infantis às crianças que contribuem para a elaboração de orçamentos. Se tivermos em mente os sucessos e o que precisa ser feito, isso nos dará energia para fazer mais e melhor. O sistema da ONU é imperfeito, mas é o melhor que temos e melhor que seu antecessor, a Liga das Nações. As crianças merecem o melhor que temos para dar, por isso temos que trabalhar com o que temos, ao mesmo tempo em que tentamos melhorá-lo.

Fonte: Time

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