Angelina Jolie concede entrevista a revista Claudia

Por: Isabella D'Ercole

É uma vida toda exposta ao público. Angelina Jolie nasceu no berço de ouro da atuação, filha de Jon Voight e Marcheline Bertrand. Aos 7 anos, participou do primeiro filme, Lookin’ to Get Out, no mesmo elenco que o pai.

Aos 16, posou de biquíni para o tradicional fotógrafo hollywoodiano Harry Langdon – os cliques com poses sensuais ainda podem ser comprados no banco de imagens Getty Images. Aos 20 anos, conseguiu o primeiro papel grande; aos 24, ganhou o Oscar de melhor atriz coadjuvante. Desde então, nunca mais deixou de ser protagonista – dos filmes e dos tabloides.

Intensa, adotou o primeiro filho, Maddox, aos 27, no Camboja. Hoje, além de um instituto humanitário para conservação da natureza e recuperação da comunidade, após uma sangrenta guerra civil, a atriz mantém uma casa no país.

Viajando, ainda se tornou mãe de Zahara, em 2005, na Etiópia, e de Pax, em 2007, no Vietnã. Completam a trupe, Shiloh, Vivienne e Knox, filhos da atriz com Brad Pitt, de quem se separou em 2016 – a batalha judicial segue se desenrolando e incluiu denúncia de violência doméstica.

O tema, aliás, é um de seus focos no momento, após o crescimento dos números durante o isolamento. Ao doar-se para o trabalho humanitário, para o outro, Angelina se esquece de suas questões pessoais. Ela revelou isso durante nossa conversa ao telefone.

Com voz calma, Angelina para frequentemente no meio da frase para reorganizar os pensamentos. Ocasionalmente, seus cachorros latem ao fundo. Como poucas celebridades, ela deseja se posicionar mais. Não faz isso da sua casa, porém. Visita abrigos de refugiados, zonas de conflito e faz, como embaixadora da ONU desde 2001, mediações tensas – é viciada em livros de história e política.

Atriz renomada, diretora, mãe, ativista: os tantos papéis rendem a Angelina a alcunha de forte. Mas a que preço? “Raramente acordo me achando boa o suficiente”, diz ela, me surpreendendo. Angelina se esforça para deixar claro que é absolutamente humana e rejeita os pedestais em que tentam colocá-la.

O papo a seguir ocorreu durante a campanha de lançamento de Those Who Wish Me Dead, filme que chega aos cinemas no dia 27 de maio. Na trama, ela é Hannah, uma bombeira florestal traumatizada após uma situação fugir do controle.

Em seu caminho, aparece um menino que precisa de proteção – sim, tem fogo, bomba, tiro e mais todos os elementos dos filmes de ação que Angelina sempre faz. “Ela é adorável. Eu estava um pouco intimidada de conhecê-la, porque a admiro tanto, mas ela foi acolhedora. Meu nervoso foi à toa. Ela é uma força, mas muito graciosa e gentil”, descreveu a colega de elenco Medina Senghore.

Aos 45, Angelina mostra suas cicatrizes de tantos anos sendo uma figura pública e uma mulher sob constante julgamento. Ainda assim, assumindo suas dores, ela nos lembra da importância de olhar para o outro e agir por ele. Não precisa ser nada grande. “Às vezes, uma ligação para uma amiga salva o dia dela”, fala.

No processo de resgate do menino, Hannah parece também resgatar a si mesma. Tem algo muito feminino nessa reconstrução após traumas. O que acessou para construir a personagem?

Muitas mulheres vão se identificar com Hannah. Eu não fui longe para construí-la. Várias partes em mim estão quebradas. Se sentir assim e ainda ser empurrada para ir adiante, achar sua força interna, manter-se protegida pra atravessar o fogo: esse processo vai tocar as pessoas, assim como me tocou, porque é algo muito humano. Sinto que, de alguma forma, eu precisava estar nesse filme quando ele aconteceu.

Muitas das suas personagens são mulheres fortes lutando por si mesmas e protegendo os outros. Você se identifica com elas?

Eu me sinto privilegiada por ter vivido essas personagens, mas não me acho diferente da maioria das mulheres. Somos todas muito fortes. Porém, tem algo que as pessoas falham em compreender. Adoram falar que mulheres são poderosas, mas ninguém se pergunta por que ficamos forte assim.

Infelizmente, para muitas de nós, isso acontece porque fomos solitárias, nos sentimos muito machucadas, vulneráveis. A menininha cresce forte para se sentir segura e para sobreviver. Ainda assim, sei que existem mulheres que lutam contra situações muito mais graves do que eu, que enfrentam adversidades maiores, conheço algumas delas.

Como se reafirma e se nutre para se manter forte?

Honestamente, eu raramente acordo me sentindo bem, achando que fiz o suficiente, que sou forte o suficiente, boa o suficiente. Eu tento focar em me conectar com quem está ao meu redor. Parece que estou na terapia, né? (risos) Não há uma resposta fácil.

Você tem que se lembrar do seu propósito, que pode ser criar seus filhos ou ter um papel que é parte de uma solução. Isso ajuda a levantar e ir adiante. Também evita que pensemos tanto em nós mesmas, pois estamos com a cabeça no que podemos oferecer ao outro. E essa é uma das coisas mais saudáveis: tirar o foco de suas necessidades e olhar para alguém.

Incomoda você ser vista como inspiração para muitas pessoas. É pesado?

Eu me sinto muito humana, sempre foi assim. Meu desejo é me conectar com as pessoas cada vez mais, para dividirmos nossas vulnerabilidades, compartilharmos valores e a vontade de se unir para ajudar um ao outro. Sou grata a quem, até hoje, foi generoso ao se conectar comigo. Mas, como eu disse, acordo pensando no que não fiz. Acho que todo mundo é assim.

Olhar para o outro é algo que você faz muito constantemente e desde muito cedo em sua vida, especialmente cuidando de mulheres e crianças. Sabemos que a pandemia afetou principalmente esses grupos. Ajustou seus projetos por isso ou criou algo novo?

Eu vivo em dois mundos. Meu projeto no Camboja já tem quase vinte anos. Trabalhamos com a população local para a proteção dos recursos naturais e a educação ambiental. Mas, acima de tudo, olho para a causa dos refugiados. São 80 milhões de pessoas pelo mundo sem casa, que foram retirados de suas terras – e mais da metade desse grupo é composto por crianças.

O que acontece é que, com os conflitos, fica difícil simplesmente esperar acabar e retomar de onde parou. Quando ocorre esse deslocamento, você volta e a água está contaminada ou tem uma fazenda onde era sua terra. Trabalhando com a ONU, hoje vejo o menor apoio internacional que já tivemos para lidar com a questão dos refugiados. Ao mesmo tempo em que cai o investimento, a pandemia piora a situação dessas pessoas.

Para além dessa questão, tenho focado muito na violência doméstica, porque cresceu no último ano e há pouco entendimento do que acontece na casa das pessoas e do aumento do perigo que ocorre durante o isolamento. Estou trabalhando com uma organização para ter programas diferentes, abordando as várias realidades, possibilidades de proteção e de mudança da situação.

Muitas vezes, as pessoas acham que não devem interferir em questões do casal ou nem imaginam que a amiga que parece tão forte é, na verdade, uma vítima. Cabe a nós também fazer essa vigília pela outra…

Você não poderia estar mais certa. O que é chocante, para mim, é que os amigos próximos e até mesmo a família não apoiam as vítimas. Às vezes, não intervém apesar de saberem o que acontece; outras vezes, não querem olhar para o que é feio ou se recusam a acreditar. Tem quem não entenda e também não queira compreender a situação.

Porém, é urgente olharmos para quem amamos. Mesmo nesse período à distância, é importante manter a conexão. Falar com quem você ama, saber se está tudo bem, escutar de verdade o que a pessoa tem a dizer. E isso implica em estar disposta a apoiar quando a pessoa pedir ajuda. As redes de apoio são muito importantes para as mulheres e, agora, elas estão afastadas.

Em casa, sem poder sair, cuidando dos filhos sem ajuda, as mulheres ficam realmente isoladas, não só fisicamente. A situação aumenta a vulnerabilidade. Eu recomendo, sempre que possível, ligar pra uma amiga só para perguntar: “Tudo bem?”.

Você se posiciona sobre muitas questões. Sente-se pressionada a fazer isso ou é algo em que acredita?

Não acho que ninguém é obrigado a fazer parte de qualquer conversa, mas você tem que ter clareza da sua posição moral como ser humano. Todos têm que colocar um limite. Eu sei o que não vou tolerar que façam comigo ou com os outros, qualquer tipo de abuso que vejo. Não é exatamente político, é o justo. Eu me posiciono sobre o que é inaceitável e disso não abro mão.

Você não tem redes sociais. Não ajudaria nisso?

Eu não tenho redes sociais nem um assessor para levar a público essas questões. Não é que eu seja contra as novas ferramentas de comunicação, mas prezo pela seriedade da troca com as pessoas. Não há nada que eu possa fazer sobre fofocas, mentiras. Mas, para eu participar das redes, teria que entender uma forma delas garantirem conversas mais profundas com pessoas do mundo todo.

Fonte: Claudia

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