Angelina Jolie fala sobre Maria Callas em entrevista para a revista italiana F

Por: Alessandra Mattanza

Sofrimento Divino

Para interpretar Maria Callas, Angelina Jolie teve que trazer à tona toda a sua dor. “Ela era forte e frágil, assim como eu”. Com a soprano, ela também compartilha uma paixão por homens muito masculinos.

Angelina Jolie não é do tipo que aceita um não facilmente. "Posso ser convincente quando quero", ela sussurra, enquanto me olha com aqueles olhos verdes hipnóticos. Para comprovar, basta perguntar a Salma Hayek. Para convencê-la a interpretar Nina, protagonista de Without Blood, seu novo trabalho como diretora, Angelina conversou com ela por horas e, no final, a convenceu. O filme é baseado no romance homônimo de Alessandro Baricco. Jolie estava muito entusiasmada com o projeto, então foi até a fonte para obter os direitos, convidando o escritor italiano para sua casa em Los Angeles, onde preparou um prato de espaguete para ele. 

Qual foi a reação de Baricco ao receber o e-mail da mulher mais linda de Hollywood?

“Foi como se Jessica Rabbit ou Mickey Mouse tivessem escrito para mim”, brincou. “Nunca acreditei que Angelina Jolie realmente existisse, mas era ela.”

Angelina Jolie existe mesmo e agora está no cinema com Maria, no filme de Pablo Larraín que retrata os últimos dias da vida de Maria Callas. Para esse papel, Angelina se submeteu a um grande desafio: aprender a cantar e buscar no fundo de sua alma o desespero que a Divina sentia. "Tenho meus filhos por perto, mas muitas vezes estou sozinha. Identifiquei-me com a solidão de Maria Callas. Quando ela sofre no filme, você vê meu sofrimento." 

Além disso, enquanto filmava, Jolie estava no meio de seu processo de divórcio, algo que remete remotamente a Aristóteles Onassis, o bilionário que seduziu Callas e depois a abandonou para se casar com a famosa Jackie Kennedy. “Gosto de homens com uma masculinidade forte como a dele”, admite, sem falsa hipocrisia. “Estou sozinha há muito tempo, mas entendo o encanto de um homem que faz com que você se sinta mulher, livre e vulnerável ao mesmo tempo.” O crédito por tanta sinceridade vai também para este filme, que "libertou a minha voz. Não sei quando a perdi. Talvez quando minha mãe morreu, ou quando alguém me machucou muitas vezes."

Maria acompanha os últimos dias de Callas, que aos 53 anos tinha perdido a voz e estava doente.

Assim como acontece com todas as pessoas famosas, havia a Callas e havia Maria. Eu interpreto a segunda, com suas fraquezas e inseguranças. Ela era uma grande diva, mas também era frágil, doente, vulnerável e solitária. Ela amava cantar mais do que tudo. Seguia sempre o seu coração e sabia apreciar o que tinha. Viveu na esperança de encontrar sua voz novamente e nunca desistiu. Ela é um exemplo de dedicação e perseverança.

Mulheres quebradas que enfrentam a vida são o seu forte. Você ganhou um Oscar ainda muito jovem por Garota Interrompida, no papel de uma adolescente sociopata, e mais tarde foi nomeada por A Troca, no qual interpretou uma mãe cujo filho desapareceu. Muitos acham que você ganhará outra estatueta com Maria.

Gosto de interpretar mulheres que são fortes e, ao mesmo tempo, frágeis, pois eu mesma sou assim. Gosto de pessoas que seguem seu coração e têm coragem de dizer a verdade. Sou sempre direta, mesmo que algumas pessoas não gostem disso.

No filme, Onassis abusa psicologicamente de Maria Callas. Ela tem consciência disso, a ponto de haver uma cena em que a soprano avisa John F. Kennedy sobre o poder de sedução e manipulação dele.

Mas há mais nessa cena. JFK se senta à frente de Callas e come seus mirtilos sem pedir permissão. Dessa forma, ele revela seu poder ilimitado: pode fazer o que quiser, quando quiser, porque é o presidente dos Estados Unidos. O mesmo se aplica a Onassis, cujo superpoder era a riqueza. Esses homens tendem a dominar e conquistar. Mas gosto de pensar que as coisas nem sempre acontecem como eles querem.

Você foi capaz de se proteger de homens assim?

Depois que meus pais se separaram, cresci com meu irmão e minha mãe, que havia desistido da carreira de atriz para cuidar dos filhos e tinha uma renda modesta. Então, jurei a mim mesma que isso não aconteceria comigo e que eu sempre seria capaz de sustentar a mim e aos meus filhos.

Você sempre sonhou em ter uma família grande?

Desde criança, eu queria ter uma família grande. Adoro o fato de meus filhos serem apaixonados pelo meu trabalho e me acompanharem nos sets de filmagem.

Você não sente a necessidade de ter um companheiro?

Acredito no amor, mas também me refiro ao amor que temos por nossos filhos e amigos verdadeiros. Eles sempre estiveram em primeiro lugar nas minhas escolhas, e é muito importante para mim que minha família tenha privacidade, paz e proteção garantidas. Estou cada vez mais envolvida em causas humanitárias e gostaria de viver por longos períodos no Camboja ou em outros lugares no futuro. Por enquanto, estou morando em Los Angeles por causa dos meus filhos mais novos. Se algum dia eu tiver alguém próximo a mim, quero que seja alguém que compartilhe os mesmos valores e compromissos que os meus.

Você sempre foi determinada. Sempre se impôs como produtora e diretora, quando tentaram limitar seus papéis a símbolos sexuais?

Posso ser teimosa e sou mais inteligente do que muitos homens pensam. Sempre preferi interpretar personagens femininas fortes e combativas. Talvez eu tenha ficado confusa às vezes e tenho muitos defeitos, mas coragem não me falta.

Salma Hayek disse que inicialmente não queria interpretar Nina, que em Without Blood é marcada pelo trauma de infância de ter testemunhado o massacre de sua família. Por quê?

Salma se identifica com os personagens, pois ela é forte, mas sensível. Ela temia essa parte porque não queria saber disso. Ela alcançou um momento de paz em sua vida e quer continuar feliz. Eu a queria justamente por causa de sua sensibilidade. No final das contas, nós, mulheres, estamos todas conectadas. Por meio do amor, da paixão, da maternidade, do drama e de um destino comum que nos une na aventura que é a vida. Gosto de pensar que, no futuro, estaremos cada vez mais unidas, em vez de competitivas, como o mundo dos homens nos obriga a ser.