Angelina Jolie em entrevista para a Newsweek

Por Janine di Giovanni, fotos por Sofia Sanchez & Mauro Mongiello

Uma guerra que ninguém entendia totalmente, inspirou Angelina Jolie a passar para atrás das câmeras e contar uma história de amor ambientada na Bósnia.

Enquanto eu estava sentada em um restaurante em Budapeste, sentia como se estivesse com um outro jornalista, ou outro trabalhador, que conheci ao longo dos anos, ao invés de uma grande estrela de cinema. Angelina Jolie tinha acabado de voltar da cidade líbia de Misrata, que sofreu uma das mais sangrentas batalhas da guerra civil. Desde então se tornou um símbolo do sofrimento do povo de lá. Mas, apesar da tragedia que tinha visto na cidade devastada, ela não ficou abalada. Ela estava pronta para falar sobre suas experiências como diretora pela primeira vez, e discutir a violação sistemática na Bósnia, suas viagens para Darfur, ou o fluxo de refugiados no Corno da África.

“Quando vou a algum lugar, eu estou sempre disposta a aprender sobre ele. Recebo instruções, leio livros, converso com as pessoas. Mas, principalmente, eu tento ir a algum lugar para trazer consciência, para chegar em casa, pegar o telefone e ligar para alguém e tentar fazer alguma coisa,” disse ela.

Ela levou foco, objetividade, e uma abordagem séria para seu novo filme, In the Land of Blood and Honey, que estreia nos EUA este mês. Ela também me disse como foi aprender como funcionava a parte técnica para se fazer um filme, "Eu não tinha medo de perguntar ao diretor de fotografia. Eu também escutei meu elenco, a maioria viveu a guerra. Eu ouvia suas histórias e tentei incorporá-las no meu trabalho. "Sobre o pano de fundo da guerra, ela criou uma história de amor comovente e surpreendente de um soldado sérvio e uma mulher bósnia que se conhecem antes da guerra, mais são separados por causa dela, e se reencontram durante o conflito. É difícil não admirar Jolie, especialmente depois de assistir a seu filme.

Às 3 da manhã, depois de conversarmos principalmente sobre os horrores da guerra da Bósnia, que eclodiu na sequência do desmembramento da Iugoslávia em 1991, colocando os países emergentes Bósnia, Sérvia e Croácia uns contra os outros ao longo de complicadas linhas étnicas e religiosas, e deixou um número estimado de 100.000 pessoas mortas. Eis que seu segurança colocou a cabeça para dentro do reservado e nos lembra gentilmente que já estava tarde. Vínhamos conversando e bebendo durante oito horas; Jolie ainda insistiu em me acompanhar de volta até meu hotel para garantir que eu chegasse em segurança. "Eu quero ter certeza que está tudo bem", disse ela.

Como uma jornalista que viveu os conflitos de Sarajevo, eu vi muçulmanos, sérvios e croatas que antes viviam lado a lado e até mesmo amigos se virarem violentamente uns contra os outros. Testemunhei a limpeza étnica, a queima de casas, e colonias de refugiados, isso destruiu o país, uma vez vi um cachorro correndo pela rua com uma mão humana em sua boca. Fui ver Sangue e Mel com um olhar especialmente crítico. Eu estava à procura de detalhes inautênticos, já que outros filmes que tenho visto sobre a Bósnia me deixou irritada e chateada: Por que o diretor não tinha feito direito uma pesquisa? Por que alguém não poderia contar a verdadeira história da guerra brutal no coração da Europa no final do século 20?

Eu sai da exibição do longa impressionada. Como poderia uma mulher que tinha apenas 17 anos quando o conflito começou na Bósnia em abril de 1992 ter capturado tão perfeitamente o horror de uma guerra que se concentravam principalmente em ataques brutais contra civis? Ela é honesta, quando disse: "Na época, eu não tinha ideia da extensão da agonia".

Mas seu trabalho como embaixador do Alto Comissariado da ONU expôs ela ha situação dos civis bósnios e como as consequências persistem. As mulheres que foram estupradas no leste da Bósnia em "campos de violação" que ainda sofrem as consequências emocionais e traumáticas, era um ponto especialmente sensível para ela. Então Jolie, que sempre trata os papéis que interpreta com uma intensidade quase assustadora, mergulhou na leitura de tudo o que podia sobre a guerra da Bósnia.

Jolie replicou na cidade de Sarajevo, o cerco de maior duração na história moderna, exatamente como eu me lembrava. Os caminhões de ajuda humanitária sendo cruelmente atacados por homens armados, uma jovem vítima de estupro perdendo lentamente sua sanidade mental depois de ser mantida em cativeiro e violada repetidamente; atiradores bêbados que usavam como alvo um pai e um filho que atravessam uma ponte.

Seu filme retrata o isolamento que a guerra causa. No início do combate, eu me lembro de estar voltando de uma caminhada, evitando os atiradores sérvios que estavam perto de um cemitério judeu na colina, para o bairro do outro lado do rio onde eu morava. Foi uma época de bombardeamento intenso, e critico, pessoas morrendo de fome, e congelando. Eu tinha testemunhado idosos que haviam sido abandonados em suas casas de repouso na linha de frente e morreram em suas camas entre outras coisas. No início da guerra, a América não queria se envolver, pois era um conflito europeu. Nos Estados Unidos, isso foi retratado como uma luta intensa e complicada entre antigos inimigos (cristãos contra muçulmanos, croatas contra os sérvios) e ocorrendo nos territórios europeus. Como a propagação da luta entre a Croácia, Bósnia e Sérvia, a ONU se envolveu, mas foi os ataques aéreos da OTAN, em 1994-95, que fizeram com que as partes opostas fossem forçadas a começarem as negociações, onde os EUA desempenhou um papel importante no restabelecimento da paz . No início, as pessoas penduravam bandeiras americanas fora de suas janelas. "Eles estão vindo para nos salvar?" Eles vinha ate mim e puxavam a manga da minha blusa e perguntavam. "Quando os americanos vão chegar?" Foi de partir o coração. O filme de Jolie mostra como é ser uma daquelas pessoas, um poeta, um caixa de banco, um professor, uma mãe serem transformados pela crueldade e traição de uma guerra. Trata-se do que os seres humanos fazem a outros seres humanos para sobreviver.

"O povo se sentiu como se o mundo tivesse esquecido deles", disse Jolie. "Foi um momento de grande dor, e eu queria retratar como as pessoas eram corajosas, sem ofender ninguém."

Os bósnios queria desesperadamente ajuda, de qualquer lugar, qualquer um, mas ninguém veio. Mesmo agora, poucas pessoas sabem o que aconteceu lá. Talvez o poder de uma estrela assim como Angelina Jolie possa lembrar a todos este incrível e complexo conflito sangrento. "O filme foi feito para lembrar a todos da guerra, mas apenas um pequeno grupo de pessoas vão realmente entender", admitiu Jolie. E talvez seja esse o motivo pela qual ela decidiu lançar primeiro o filme na língua bósnia, com legendas em Inglês.

A autenticidade de Sangue e Mel vem de uma equipe de talentosos atores da antiga Iugoslávia, um mix de sérvios, muçulmanos e croatas. A maioria deles viveram a guerra e perderam muitos membros de suas famílias ou foram feridos. Alguns dos atores viram a guerra de perto. O protagonista, Goran Kostic, vem de uma distinta família militar. Seu retrato de um oficial que é forçado a cometer atos selvagens contra a sua vontade é honesto e doloroso. Vanessa Glodjo, que sonhava em se tornar uma atriz e cujas esperanças foram temporariamente esmagadas pela guerra, lembra como era, "levei tiros muitas vezes. Mas eles não me pegaram enquanto eu caminhava até a escola. Eles me feriram na minha própria casa com uma granada ".

E havia também um jovem ator que se chamava Ermin Bravo, ele era criança na época. Durante as filmagens ele usava uma calça de combate remendada e desgastada que seu irmão mais velho tinha realmente usado na guerra como um defensor de Sarajevo. Bravo lembrou durante a sua audição que ele "havia esquecido que gosto a banana tinha" (as pessoas viviam com pacotes de ajuda humanitárias, que em grande parte é composta de arroz, macarrão, leite em pó, e um tipo de queijo líquido).

No entanto, relembrar historias de uma guerra que todos querem esquecer não foi fácil para nenhum deles.

"As filmagens foram especialmente difícil para mim, pois meu pai lutou durante a guerra, enquanto eu estava morando com minha mãe e irmã", diz Alma Terzich, outro membro do elenco. Terzich tem cicatrizes reais. Ela perdeu 28 membros de sua família na luta. "Foi uma enorme responsabilidade desempenhar o papel de uma mulher que sobreviveu a tais condições desumanas", diz ela. "Era meu dever reproduzi-lo fielmente, tanto quanto possível."

As nuances que Jolie trouxe para o filme são tão importantes quanto a autenticidade dos atores. Ela entende que muitos dos soldados sérvios bebiam conhaques de frutas muito forte conhecido como slivovitz durante a guerra, e que a hora mais segura para andar em Alley Sniper era na parte da manhã, quando os soldados dormiam por estarem de ressaca. Ela também retrata a incapacidade das forças de paz da ONU em proteger a população civil por causa de seu limitado e ineficaz mandato, eles só poderiam disparar apenas quando fossem alvejados, e tecnicamente proteger apenas os trabalhadores de ajuda humanitária, os civis não (embora houvesse algumas almas heroicas que quebravam o protocolo de forma independente, porque eles estavam tão revoltados com sua impotência).

Existem pequenos detalhes que foram extremamente importantes, cenas de rua, prédios, o depoimento de uma mulher Bósnia, suas expressões.

"Era um roteiro pela metade, cheio de improvisação", disse Jolie sobre algumas das cenas, e ela se baseou fortemente nos cidadãos locais. "A camisa branca que o personagem principal usa o tempo todo", ela pensou em um ponto do filme. "Ela ficou branca através da cena do campo de estupro e isso me incomodou. Mantivemos as falas sobre a camisa branca. "Ela também mostra personagens que anseiam por alimentos, por contato com o mundo exterior, por livros, cinema, poesias, todas as coisas que existiam antes da guerra.

Em uma cena comovente, os jovens soldados bósnios comem juntos em um paiol, enquanto os morteiros estão ao redor deles, brincando eles falam sobre o que vão comer quando a guerra termina. Somente alguém que estava em Sarajevo na época entenderia seu humor negro, macabro, suas risadas (habitantes de Sarajevo eram famosos na antiga Iugoslávia por seu humor meio palhaço), suas vagas recordações dos alimentos que eles perderam.

O filme não foi feito sem controvérsias. Eu estava em Sarajevo em julho de 2010, para o 15 º aniversário do massacre de 8.000 homens e rapazes em Srebrenica, quando a notícia de que Jolie e seu companheiro, Brad Pitt, estavam em Foca, no leste da Bósnia. Essa foi a cena do terrível "campos de estupro" em que mulheres muçulmanas e bósnias foram capturadas, em seguida, transportadas de ônibus para a prefeitura e para escolas e repetidamente violadas por soldados sérvios. Algumas das vítimas disseram que haviam sido estupradas até 10 vezes por dia, uma jovem tinha 12 anos quando foi enviada para Foca e estuprada ao lado de sua própria mãe.

Mas a questão é sensível, estupro na Bósnia, como isso tem alguma coisa a ver com a guerra. O povo assistiu Jolie quando ela assumiu seus deveres com o ACNUR. (Em 2001, depois de já ter ganho um Oscar por Garota, Interrompida, tornou-se Embaixadora da Boa Vontade para tentar lançar uma luz sobre alguns dos mais obscuros cantos do mundo, do Camboja ao Afeganistão.) Logo veio a notícia de que a mulher que já havia feito muito por milhões de pessoas, estava planejando fazer um filme, e a imprensa de forma imprecisa informou que seu roteiro era sobre uma mulher que se apaixona por seu estuprador.

Na verdade, sangue e mel é muito mais complicado. É a história de amor de um casal que se conheceu antes da guerra. Mas é também um conto de traição, de paixão, e às vezes de esperança.

Jolie se esforçou para transmitir na tela como Sarajevo era antes da guerra, uma cidade multicultural, que todo mundo conhecia todo mundo, e como mais tarde, os vizinhos que até então se amavam e iam para a escola juntos, armaram vinganças e criaram ódio uns contra os outros.

Toda a filmagem foi feita em 42 dias em Budapeste e na Bósnia, em duas línguas, as gravações chegaram a ser proibidas pelo governo, assim que eles souberam através da imprensa negativa que os muçulmanos, os bósnios e os sérvios não aprovavam o roteiro, que teve seu conteúdo falsamente divulgado, Bravo disse que Jolie fez todos se sentirem "seguros e relaxados. Ela criou uma atmosfera familiar. "

Sua transformação de estrela de Hollywood para líder humanitária veio depois que ela filmou no Camboja (onde adotou seu primeiro filho, Maddox, em 2002), onde o Khmer Vermelho deixou pelo caminho cerca de 2 milhões de mortos. Sua primeira viagem com o ACNUR foi para Serra Leoa, lá ela conheceu a historia de outra guerra civil brutal em que rotineiramente civis tiveram seus membros amputados por soldados rebeldes (a pergunta era "Você quer mangas compridas ou mangas curtas?" - Significado para corte no pulso ou o cotovelo).

Estas viagens deram a Jolie experiências suficientes para escrever o roteiro de In the Land of Blood and Honey, que teve um processo de cerca de um mês para ser concluído, ele passou por uma série de revisões, Brad o leu, varias pessoas o leram", mas os pormenores técnicos reais para se dirigir foram assustadores.

Com seis filhos, ela ainda consegue visitar esses tipos de países, viajando tranquilamente, sem muita segurança, tendo as mesmas estradas esburacadas, um avião simples e atravessando os postos de controle militar, o mesmo que eu faço quando eu estou em zonas de conflito. Não há tapete vermelho na Líbia ou no Sudão. Ela mesma arruma sua própria mala que contém lanterna, notebook e equipamentos à prova de água. Ela fez sangue e mel, com US $ 13 milhões e muita humildade. Isso é quase parecido com o jeito que ela faz seu trabalho para o ACNUR, como uma estudante que está sempre disposta a ouvir e aprender.

"Quando eu vou em alguma missão nos campos de refugiados, eu recebo múltiplas instruções, incluindo do CFR [Conselho de Relações Exteriores]", disse ela. "E eu fiz um curso no direito internacional. Então eu fiz a mesma coisa que eu faço nas minhas missões. Eu estudei. "

Para o filme, "eu li um monte de livros sobre a guerra. Falei com um monte de gente, vi, ouvi. Eu só queria contar a história real "Ela repete o que já disse várias vezes:".. Eu queria ser respeitosa com as pessoas " - perguntei, se não ela sabia alguma coisa".

Durante a noite, eu contei uma história sobre ela que haviam me dito. “Um funcionário da ONU, organizou um almoço para você e me descreveu como foi a viagem que fez a Bagdá, no auge do derramamento de sangue. Depois de um dia cansativo em que você conversou com os refugiados, você pacientemente permitiu que alguns funcionários iraquianos entrassem e tirassem fotos com você para levar aos seus filhos. Você sorriu o todo o tempo, e não tinha um pingo de estrelismo em você.

"Oh, eu me lembro disso", disse ela. "Mas eu faria qualquer coisa para as crianças. Quem não faria? "

Jolie é uma celebridade improvável, que tem uma espécie de carisma natural e um calor humano aconchegante, tanto que as pessoa do elenco disseram que se sentiram tão bem ao lado dela. Durante o jantar, ela falou com amor e paixão de sua família, e como ela os educá em suas próprias línguas e culturas, como ela gosta de voar ao redor do mundo, mas como é difícil se separar deles quando está viajando. Ela falou de como alguém "que nunca teve uma babá soube como cuidar de um bebê (Maddox) quando se tornou mãe solteira aos 27 anos de idade.

"Eu não sabia se dava uma mamadeira ou 30 por dia", diz ela rindo. "Eu liguei pra minha mãe."

Sua mãe, Marcheline Bertrand, ex-atriz e produtora, que morreu em 2007 ao 58 anos de idade, foi uma grande influência, Jolie a adorava. “Quando estava morrendo minha mãe me disse, que ela tinha feito com sua vida exatamente o que ela quis fazer, que era simplesmente ter cuidando dos seus filhos. "Sua bondade teve um enorme impacto em mim", disse ela.

"Às vezes eu entro em hotéis e as camareiras me perguntam sobre ela. Minha mãe costumava escrever bilhetes como quando seus filhos nasceram ou foram batizados. Ela era apenas esse tipo de pessoa que todos amavam. "

No final, o filme de Jolie fica por conta de vocês. Algumas cenas são tão vívidas e terríveis como os dias reais da guerra. Em uma delas, Vanessa Glodjo deixa seu bebê para invadir uma farmácia bombardeada porque nenhum dos vizinhos tinha remédio. Ela chega em casa e encontra-o morto com um tiro disparado por um franco atirador.

Seus gritos de agonia sobre o corpo de seu bebê são de cortar o coração. Glodjo viveu a guerra. Mais de 100.000 pessoas morreram, incluindo milhares de crianças. Todos nós que vivíamos lá, lembramos das crianças que saíram na neve e foram mortas simplesmente por jogarem ela para o ar. Ou "Romeu e Julieta" casal muçulmano e sérvio que, logo após terem se casado, foram baleados de mãos dadas atravessando uma ponte por estarem alegres para contar aos seus familiares a notícia feliz. Seus corpos ficaram naquela ponte por vários dias, os atiradores ameaçavam atirar em qualquer pessoa que tentasse afastá-los ou tirá-los de lá.

A história de amor é talvez o coração de In the Land of Blood and Honey. O casal se encontra antes da guerra, em um café em Sarajevo, uma antiga cidade olímpica de artes, músicas e poesia. Através dos seus olhos, vemos a desintegração da sociedade e, mais importante, o mal que o homem pode infligir a seus semelhantes.

Comentários

Andrea disse…
Fantástica essa entrevista. Por favor, coloque o crédito: quem a entrevistou? Uma conversa franca e um texto muito coerente e honesto. Despiu-a de toda a aura de estrela e a coloca como a grande profissional e cidadã planetária que é Angelina Jolie. Grata!