Angelina Jolie e Loung Ung concedem entrevista ao The Hollywood Reporter

Por: Stephen Galloway

Durante o Festival de Cinema de Telluride, Angelina Jolie e a autora Loung Ung falaram com o The Hollywood Reporter, sobre o filme First They Killed My Father, que estreia no dia 15 de Setembro no Netflix, e também sobre outros aspectos de suas vidas.

THR: Loung, de onde você é no Camboja?

LOUNG UNG: Phnom Penh. Eu me mudei em 1980 para Burlington, Vermont, depois me mudei novamente e acabei em Cleveland. Em 1980 eu tinha 10 anos. Meu irmão mais velho e sua esposa acabaram deixando o Camboja e chegando a um campo de refugiados na Tailândia, onde ficamos por seis meses. Em seguida, fomos patrocinados pela Igreja da Sagrada Família para viajar para a América, não tendo ideia de onde nós iriamos chegar, e ficamos bastante surpresos quando chegamos em Vermont. Nós não sabíamos que esse lugar existia, porque quando você está em um campo de refugiados, eles mostram a América exibindo filmes em telões, e nenhum dos filmes foi feito em Vermont - talvez em LA, Nova York ou Chicago, Eu estava esperando grandes edifícios e muitas pessoas.

Quando você voltou para o Camboja pela primeira vez?

UNG: Fiz minha primeira viagem em 1995; Os EUA e o Camboja não tiveram relações diplomáticas até 1993. Eu fiz mais de 35 viagens desde então.

ANGELINA JOLIE: Você tem um lugar lá.

UNG: Eu tenho minha irmã em uma aldeia. Então eu comprei um pequeno pedaço de terra para mim. Essa irmã e outro irmão ainda vivem no Camboja.

Angelina, que parte da história de Loung você não conseguiu colocar no filme?

JOLIE: Havia uma cena em que os soldados vieram, sequestrar uma mulher, e obrigaram ela a ficar noiva de um deles, então Ung testemunhou um casamento forçado.

Isso aconteceu muito?

UNG: Aconteceu quando eu estava lá. Casamento forçado de jovens com soldados, aconteceram muitas vezes em diferentes lugares do país, durante essa guerra.

Quando você compreendeu as coisas que aconteceram no Camboja, além de suas próprias experiências?

UNG: Provavelmente não até eu estar no ensino médio. Passei pelo sistema escolar americano e estudei a história inglesa, russa, chinesa e americana, mas não havia a história do Camboja em nenhum lugar e também não havia professores que pudessem sugerir e recomendar livros e vídeos. Por volta do ano de 1985, o National Geographic levantou uma bela questão sobre o Camboja, que meu irmão mantem até hoje; e me lembro de ter sido realmente tocada por isso, mas na verdade não queria lidar com isso; Eu queria assimilar e ser como todo mundo. Mas comecei a ler sobre isso, quando saíram filmes de guerra - Platoon, Full Metal Jacket - e então os meninos começaram a fazer comentários horríveis para mim. Havia uma cena em um filme, onde meninas vietnamitas diziam: "Por um bom tempo, cinco dólares", e os meninos pensaram que era divertido dizer isso para mim. Então eu comecei a ler sobre isso para me educar, porque a melhor maneira de lutar contra qualquer tipo de bullying é ser educada e ter conhecimento, e eu consegui usar isso contra eles e educá-los. Mas foi só na faculdade que eu consegui livros e encontrei amigos que pudessem lê-los comigo. Faz muito tempo.

Você já fez alguma tipo de terapia?

UNG: Fiz muita terapia. É muito bom. Tem sido uma longa jornada. Existem diferentes formas de terapia. No ocidente, tentamos chegar ao fim do problema; e aprendi através de muitas formas de terapia, não há como encerrar isso, há apenas uma jornada para se fortalecer, ser mais saudável, ser mais equilibrado. Eu tenho amigos, a terapia com Angie. Nós conversamos muito.

Onde você mora agora?

UNG: Cleveland.

[Para Jolie:] E você está em L.A.?

JOLIE: Sim, mas nos conhecemos há 16 anos. Ela vem pra cá e nós saímos juntas.

UNG: Eu faço terapia de escrita. Para mim, essa a terapia e os amigos são uma jornada interna onde você entra profundamente, você reflete, você tenta curar sua criança interior. Mas, como ativista, há a terapia externa, indo em grande escala, onde você consegue perceber que em um certo ponto, falar sobre si mesmo se torna chato. E também é doentio se concentrar tanto em si mesmo. Em algum momento, você tem que poder analisar o problema e dizer: "Não é sobre você. É sobre uma cultura, um povo, uma nação, uma família". É por isso que adorei trabalhar com Angelina no filme; É essa filosofia em forma física, agindo em todos nós.

Angelina, agora você é uma cidadã cambojana, ou tem cidadania comum entre os EUA e o Camboja. Quando foi isso e por que?

JOLIE: Faz mais de 10 anos - trabalhei no país há cerca de 14 anos. Eu fui para lá gravar Tomb Raider, e logo depois, voltei lá com as Nações Unidas, fazendo algum trabalho de remoção de minas, aprendendo sobre repatriação. Eu me encontrei com Loung, me encontrei com o UNHCR, a agência de refugiados com quem trabalho. Então eu tenho trabalhado há mais de 14 anos e temos essa base onde cuidamos de 60 mil hectares e muitas escolas - a Fundação Maddox Jolie-Pitt; gerencia escolas, hospitais, maternidades, clínicas, muitas, muitas coisas. Então, anos depois, me foi concedida a cidadania, como uma humanitária.

E por que você a queria?

JOLIE: Foi oferecido para mim.

Tenho certeza de que muitos países oferecerão alegremente o mesmo para você.

JOLIE: [Risos.] O Camboja me fez mãe. Maddox - esse é o começo da minha família: Mad e eu nos conhecemos lá, foi o começo de tudo. Então eu me sinto tão conectada a este país, e eu estava realmente honrada e queria fazer coisas excelentes para o país e trabalhar de forma ainda mais profunda.

Quantos anos tinha Maddox quando você o conheceu?

JOLIE: Ele tinha três meses quando eu o conheci, agora ele tem 16 anos.

Ele ou você falam Khmer?

Jolie: Eu falo muito pouco. Curiosamente, Shiloh, minha menina do meio, nascida na Namíbia, fala mais. Meus filhos são de países diferentes, mas há uma compreensão, você não precisa gostar de um país apenas porque você nasceu nele. Você precisa respeitar todos os países. E ser muito honesto uns com os outros, é claro. Mad está muito orgulhoso de ser cambojano; ele adora línguas. Ele realmente está focado em alemão, russo, coreano e francês - ele é um linguista. Ele fala um pouquinho de Khmer, mas eu não vou forçá-lo a aprender. É muito importante que ele faça o quanto daquilo que ele quer fazer e o que ele ama naturalmente. Foi ele quem disse que queria que fizéssemos o filme. Tinhamos o roteiro já a alguns anos. Então dissemos a ele: "Quando você estiver pronto - porque você vai ter que trabalhar conosco - com comprometimento, pesquise, esteja lá.

Ele é produtor do filme, certo?

JOLIE: Sim. Então eu lhe disse: "Estarei pronta para fazer isso quando você estiver também. Vamos nos aprofundar na história do seu país. Você vai trabalhar com seus compatriotas e aprender e amar. Isso vai ser muito imersivo e preciso que você esteja pronto para entender o que tudo isso significa ". Um dia ele me disse que estava pronto, e então liguei para Loung. Meu outro filho é vietnamita, Pax. Muito diferente. Histórias muito complexas, a dos dois países. Há uma cena no filme onde um lado do rio é vietnamita e o outro cambojano e eles estão atirando um contra o outro. Então ter meus dois garotos no set! Não foi uma perda de tempo.

Você falou de Loung ontem em um painel onde você defendeu os valores dos imigrantes. O que você acha das tentativas da Administração Trump de restringir isso?

JOLIE: É muito importante que as pessoas compreendam que para os refugiados entrarem neste país é muito difícil, leva muito tempo. É menos de um por cento [dos solicitantes de asilo] que entram; então, para obter uma aprovação, para chegar o mais perto disso, é muito mais complexo do que muitas vezes os políticos gostam de fazê-lo parecer. E as pessoas que são refugiadas estão fugindo da guerra e da perseguição; elas não estão vindo porque elas apenas querem estar em outro país; Elas querem estar em casa, na verdade elas não querem ter que deixar sua casa. O que me perturba sobre toda a situação é que as pessoas não conhecem a diferença entre um migrante e um refugiado; eles não têm respeito pelos motivos das pessoas estarem fugindo - as pessoas contra isso - se esqueceram completamente que é isso que construiu nosso país, a diversidade. Quando é noticiado que grupos de pessoas são perigosas, os números reais e a situação são comprovadamente completamente opostos à forma como são apresentados publicamente, é horrível. Conheço essas pessoas. Conheci as famílias que estão cadastradas, a caminho daqui; Conheci os refugiados no campo que esperavam uma resposta - a permanência média em um campo de refugiados é de 16 anos. Temos 65 milhões de pessoas deslocadas - eu não sou alguém que acredite que a resposta é atravessar uma fronteira. Mas até nos unirmos para podermos trabalhar internacionalmente para acabar com o conflito, temos que usar a diplomacia para mudar o mundo em que vivemos - e o clima agora está afetando isso - a realidade das pessoas que precisam de segurança em outros países é algo que precisamos entender. Este é o mundo em que vivemos.

Você vai se tornar ativa abordando as coisas que Trump quer fazer?

JOLIE: Não vou dizer como, especificamente, mas vou continuar a falar sobre direitos humanos e liberdades. Absolutamente. Podemos falar sobre o que estamos com raiva, mas o mais importante é tentar ajudar as pessoas a entender a realidade e não ser cegado por algo que não é a verdade. Então eu quero que as pessoas conheçam Loung. Ela é a síria agora que está tentando obter apoio. Ela tem contribuído tanto para a América, e essa narrativa precisa mudar. Então vou continuar a tentar mudar essa narrativa.

Loung, qual é a sua perspectiva sobre isso?

UNG: Sou grata por ter sido acolhida por uma população americana generosa, gentil e compassiva. Há tantos americanos que conseguem fazer isso. Quando minha família chegou na América, [eles] nos mostraram como andar de ônibus e onde comprar arroz - onde era difícil encontrar arroz!

JOLIE: Conta a ele sobre o quarto de julho.

UNG: Desembarcamos na América em junho de 1980. O grupo da igreja que nos patrocinou queriam compartilhar conosco sua próximo grande festa americana. Eles nos levaram a uma queima de fogos de artifício no quarto de julho. A única coisa que era comparável para mim era a guerra, as minas terrestres e as pessoas mortas, e na primeira explosão, eu estava tão aterrorizada, que estava tentando correr e me esconder sob um banco. Eu acreditava com convicção, que a guerra havia chegado a América, que os soldados haviam entrado, e não consegui entender por que as pessoas estavam de pé aplaudindo.

JOLIE: Pense com quantas pessoas isso devem acontecer. Para nós, é normal.

Foi um filme difícil para sair do papal, é um filme caro?

JOLIE: 20 milhões antecipados. Encontramos um parceiro incrível em Ted Sarandos e Netflix. E eu consegui ajuda nisso. Eu não recebi nada, e tudo o que eu ganhei, eu investi de voltei no filme.

Você não recebeu salário, basicamente?

JOLIE: [Risos] Não. O mais difícil foi, como fazer um filme, em um país onde Ung recebeu ameaças de morte quando escreveu seu primeiro livro? Como você leva isso para um país que não fala disso, onde muitas pessoas dizem que isso não aconteceu? É um país muito, muito complexo, que ainda luta por essas vozes, esses direitos humanos. Então entrar e recriar esses horrores no solo onde isso aconteceu, esclarecer essa guerra em cada sentido, será que o país o aceitaria? Eles estão prontos para contar isso? O governo nos daria permissões?

Eles concordaram?

JOLIE: Sim.

O que você acha do primeiro-ministro e do governo atual?

JOLIE: [Longo silêncio] Sou alguém que trabalha no Camboja, com o povo cambojanos. Eu trabalho ao lado dos artistas, trabalho para a sociedade, de modo que esse é o foco, e com isso, espero que todos aqueles que acreditam na democracia, e em certas liberdades, se tornem mais audíveis, que levantem suas vozes.

Eles podem?

JOLIE: É difícil. É por isso que achamos que não seríamos capazes de fazer esse filme.

Você conheceu o primeiro ministro, Hun Sen?

JOLIE: Eu vivi lá e trabalhei lá. Eu gastei cerca de quatro meses no filme. Tenho um projeto de cerca de 100 pessoas com quem trabalhamos.

Seu plano agora é desistir de atuar e somente dirigir?

JOLIE: Neste momento, não tenho nada em que eu esteja apaixonada, para dirigir, então vou fazer um pouco de atuação. Já fazem um ano, por causa da minha situação familiar, em ter que cuidar dos meus filhos.

Isso está decidido?

JOLIE: Quando for possível fazer - quando eu sentir que é hora de voltar a trabalhar, então eu vou voltar ao trabalho. Eu fui necessária em casa. Espero [trabalhar novamente] nos próximos meses.

E qual filme você fará?

JOLIE: Malévola, provavelmente, estamos trabalhando nele. E estou ansiosa para me divertir com isso. Cleópatra, há um roteiro. Há muitas coisas diferentes flutuando. Mas eu não me comprometi ainda.

Mas você está planejando atuar e não seguir com a carreira de diretora?

JOLIE: Eu adoraria em algum momento. Em algum momento, provavelmente vou dirigir. Se me permitirem fazer isso. Mas você simplesmente não sabe se você pode ter uma carreira como diretora. Você não sabe como as coisas serão aceitas.

Seu filme será qualificado para o Oscar de melhor filme de língua estrangeira?

JOLIE: Eu acredito que será qualificado, sim. Isso é apenas, será que nos escolherão? Seremos os selecionados daquele país? Nós não sabemos.

Fonte: The Hollywood Reporter